tag:blogger.com,1999:blog-4230740887348321004.post4914522276465843628..comments2020-04-04T16:25:16.506+01:00Comments on Some like it cool: Fugidio e estranhoCarlos Melo Ferreirahttp://www.blogger.com/profile/02763750308043093306noreply@blogger.comBlogger1125tag:blogger.com,1999:blog-4230740887348321004.post-14798300360680754382014-11-19T22:24:00.755+00:002014-11-19T22:24:00.755+00:00A cor que funde o medo e o mistério
O que aproxim...A cor que funde o medo e o mistério<br /><br />O que aproxima Vic + Flo un vu un ours, premiado no Festival de Berlim de 2013, de Curling, de 2010, dois filmes do canadiano québécois Denis Côté? E o que torna, afinal, estes filmes tão tenebrosos quanto fascinantes?<br />A resposta não podia ser mais directa e objectiva: o medo e o mistério, ambos entrelaçando-se e vivendo na imagem fílmica, sob o efeito de uma sombra que afecta a tonalidade do que se vê e prende o nosso olhar.<br />Vic + Flo narra a história de duas mulheres presas afectivamente uma à outra e que se reencontram na casa de um familiar idoso que está doente, desligado do mundo pela fala e pelo movimento do corpo, e que muito em breve morrerá, saindo da história sem rasto, tão incógnito como quando nela entrou. Apercebemo-nos, no decurso da narrativa, que uma das mulheres, Flo (Romane Bohringer), tinha estado presa. É a prisão, pois, aquilo que nos lança, em primeira mão, o medo como presença constante e a ficar. Sem se perceber - porque é de mistério que se trata -, aparece no encalço da reclusa uma outra mulher, Marina (Marie Brassard), para um ajuste de contas fatal, sem que antes não sejam praticadas sevícias e crueldade a Flo e, por infeliz arrasto, a Vic (Pierrette Robitaille). O mistério mancha agora toda a imagem e está no passado desconhecido de todas aquelas mulheres. Seja quando uma delas, Vic, surge no início com a sua bagagem, seja quando uma outra, Marina, se apresenta a alta velocidade encapuçada ou seja, finalmente, quando uma outra, Flo, nasce do interior de uma cama em reboliço de uma relação conjugal, sem que tenhamos qualquer indício dos seus mundos antes dos seus aparecimentos. A cor sombria que se forma e não se desprende da imagem, entrecortada pela floresta cerrada ou por um campo de jogos desactivado e decadente que a escurece, reforça este mistério. E, contrariamente àquilo que diz o filósofo grego Kostas Axelos, o declínio é mesmo decadência. Assim, associado sempre a esta incógnita primordial, genética, que tinge a imagem e a inunda manifesta-se o medo, que é exactamente aquilo que é nos é mostrado na incessante hesitação e desconfiança de ambas as mulheres e revelado por Vic: tenho medo de ter medo.<br />Em Curling - que não se esgota no paralelismo das duas categorias enunciadas -, também aí se encontram mais elementos recorrentes, por exemplo, um espaço de lazer, um hotel em vias de ser desactivado, bem como uma alusão à situação de prisioneira protagonizada por uma misteriosa Rosie (Johanne Haberlin), por fim, a imagem sob a ordem da penumbra a acolher tudo e todos. O medo está, sobretudo, actuante e dito na relação entre pai e filha: um pai (Emmanuel Bilodeau) que teme que a filha (Nádia Bilodeau) se contamine com as coisas mais sociais do mundo, como são a ida à escola, a educação que daí decorre e o convívio com jovens da sua idade; uma filha que teme inexplicavelmente ser autónoma e exercitar a liberdade. Chega a ser patética, por isso, a obediência; é misterioso o procurar juntar-se aos corpos gelados dos mortos que estão semienterrados na floresta coberta de neve. O medo está, pois, no mistério durável de vidas infelizes, de mortos sem explicação e num futuro humano que desliza no gelo, como no curling, e que jamais se alterará. Mesmo quando o pai ensaia uma fuga e, de modo igualmente patético se relaciona com uma mulher que cobra os serviços que pratica - sendo tão misteriosa e gerando medo como todos aqueles que habitam no lugar do filme -, nada afinal se modificará. É isso que é exposto nas imagens finais de pai e filha, observando e preparando-se eles próprios para deslizar na neve, como no curling.<br /><br />António Júlio Rebelo,<br />Estremoz, Novembro de 2014<br />A26rebelohttps://www.blogger.com/profile/14607610126700328810noreply@blogger.com