“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Direcção: Suécia

          Sempre tive uma grande curiosidade pela Suécia e a sua cultura, com a qual travei contacto precoce através dos primeiros filmes de Ingmar Bergman que pude ver e me despertaram a curiosidade. Depois conheci August Strindberg, Selma Lagerlöf e um pouco Pär Lagerkvist, mais tarde o cinema sueco, que foi tão importante em especial no tempo do mudo: Victor Sjöström, Mauritz Stiller e Greta Garbo, Gustaf Molander e Ingrid Bergman, Alf Sjöberg, Bo Widerberg, os filmes iniciais de Vilgot Sjöman, dos anos 60, além do próprio Ingmar Bergman, que continuei a acompanhar, sempre e até ao fim (ver "Eles, os modernos", 22 de Janeiro de 2012). Mais recentemente, são muito conhecidos os livros da trilogia "Milleninum", de Stieg Larsson (1954-2004) e os filmes, suecos e em língua inglesa, nela inspirados (ver "O tempo outra vez", 22 de Abril de 2012).
              Desde o final do ano passado que a minha curiosidade pela Suécia foi acicatada de novo pela leitura de Henning Mankell, grande escritor de literatura policial mas cujo talento, como o dos verdadeiramente grandes, se expande melhor fora do género - ou, para ser mais preciso, nos romances sem Kurt Wallander - embora o que me despertou a curiosidade tenha sido o título do seu último livro, "Um Homem Inquieto" (Lisboa, Presença, 2012), e agora mesmo pela leitura, em francês, de Tomas Tranströmer, Prémio Nobel da Literatura em 2011 e que é um poeta extraordinário. Fico sempre muito divertido quando este prémio apanha desprevenidas as editoras portugueses, que apostam nas suas edições correntes nos nomes considerados mais famosos e mais falados e depois são apanhadas descalças, como aconteceu neste caso - para mais o de um poeta.
                            
            Depois do Nobel foi já feita uma edição bilingue de "50 Poemas" de Tranströmer (Lisboa, Relógio d'Água, 2012, com tradução e nota introdutória de Alexandre Pastor), e traduzido «"As minhas lembranças observam-me", seguido de "Primeiros Poemas (inéditos)"» (Lisboa, Sextante, 2012, com pósfácio de Pedro Mexia), mas só agora consegui chegar à edição francesa de "Baltiques - Oeuvres complètes 1954-2004" (Paris, Gallimard, 2004/2011, com tradução e prefácio de Jacques Outin, nota prévia de Kjell Espmark e posfácio de Renaud Ego) e assim dar-me conta da verdadeira dimensão deste poeta.
            No prefácio desta edição, Tranströmer é qualificado como "poeta do silêncio", mas há que compreender que esse silêncio é, na sua poesia, captado a partir do exterior, da vida e do mundo, para o que se torna necessária uma grande disponibilidade, uma muito especial sensibilidade e uma inteligência aguda. Um poeta que ouve esse silêncio e sobre ele escreve, um silêncio, múltiplos silêncios no meio do ruído, dos ruídos do mundo, pode, como é o caso, pressentir e entrever o que ao comum dos mortais escapa e, ao dizê-lo ou confessar-se incapaz de o dizer, surpreender, intrigar e fascinar.
          Ora esse silêncio povoado ele vai procurá-lo e encontrá-lo na sua terra e no mundo pelo qual viajou, estabelecendo relações preferenciais e privilegiadas com a neve, a montanha, a floresta, os fiordes e o mar, mas também com a arte, a arquitectura, a pintura e, especialmente, a música, na busca de um outro lado das coisas que elas, na sua comum aparência, escondem. Tomas Tranströmer é, de facto, um dos maiores poetas da segunda metade do Século XX e do início do XXI, uma voz de uma limpidez cristalina e inequívoca, que não engana nem se engana na procura de um outro lado escondido no tempo e no espaço. Perseguido pelo sonho e acompanhado pela ideia da morte, com recurso a palavras secas e a construção de uma linguagem precisa, um domínio pleno da metáfora e da elipse, ele cria uma poesia exacta e luminosa, que enuncia e anuncia uma perspectiva original, metafísica e cósmica, a partir do sensível. Depurados, e com o decorrer do tempo cada mais reduzidos ao essencial, os seus poemas são uma verdadeira maravilha.
                      Datei:Henning Mankell01.jpg
       Tendo chegado a ele depois de ter descoberto o melhor de Mankell, que é um grande conhecedor da natureza humana, do seu país e do mundo actual, e um grande escritor, aumentou o meu interesse e a minha curiosidade pelo Norte da Europa, por essa paisagem natural e urbana da Suécia, pelo seu povo e pela sua cultura que, distantes embora, nos conhecem e não nos são estranhos. Depois de ter lido Tranströmer na língua de Paul Éluard e Yves Bonnefoy, preciso de conhecer a Suécia, um país que tem escritores e artistas que não brincam com a vida nem com o que fazem, descobrem um mundo em que se descobrem e que nos revela, dizem coisas que me interessam e não encontro em mais lado nenhum.uma mundivivência especial, uma atitude própria perante a vida e o mundo, uma história, lendas, mitos e sagas, uma notória seriedade, uma integridade intelectual escandinava, em geral, e sueca, em especial, que não teme, antes enfrenta o lado mais sombrio da vida e do mundo e que não devo deixar escapar-me por mais tempo. 
       Entretanto, vou continuar a ler Henning Mankell, em português, nos intervalos e reler Tranströmer, em francês, logo que possa, enquanto tento indagar mais sobre a cultura sueca, incluindo o seu cinema actual, do qual, assim de repente, só tenho presentes Lukas Moodysson - "Lilya Para Sempre"/"Lilya 4-ever" (2002) - e o muito interessante Tomas Alfredson - "Deixa-me entrar"/"Let The Right One In"/"Lât den rätte komme in" (2008) e "A Toupeira"/"Tinker Tailor Soldier Spy" (2011). Ficarei deliciado por continuar a ser ainda hoje surpreendido por um país cuja cultura me atrai, e que, por isso, como país chama por mim e quero conhecer. E mesmo ao lado fica a Finlândia de Aki Kaurismäki.

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