“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Um sentido sensível

     Sergei Loznitsa é natural da Bielorrússia, onde decorre a sua segunda longa-metragem de ficção, "No Nevoeiro"/V tumane" (2012), baseada em romance de Vasily Bikov. A impressão muito favorável deixada pelos seus documentários e pela sua primeira longa-metragem de ficção, "A Minha Alegria"/"Schastye moe" (2010), mantém-se com este filme, perturbador e inquietante.
       Trata-se de um cineasta invulgar quer pelas personagens e narrativas que cria quer pelo estilo fílmico, elíptico e poético, que utiliza. Em "No Nevoeiro" há um homem, Sushenya/Vladimir Svirskiy, que escapa a uma execução por enforcamento a que são condenados os seus três companheiros durante a ocupação pela Alemanha nazi da Bielorrússia soviética em 1942, e por ter sido poupado ele torna-se suspeito de traição. A Resistência envia dois dos seus para o matar, mas um deles, Burov/Vladislav Abashin, é gravemente ferido enquanto percorrem a floresta com o seu prisioneiro e cada um deles recorda episódios do seu passado.
                    
       O filme abre com um longo plano-sequência que acaba com o enforcamento dos condenados fora de campo e a esse cenário regressa na recordação de Sushenya, quando ele aí chega para encontrar os corpos pendurados. Dá vontade de falar em o ser e o nada a este respeito, pois o protagonista afirma repetidamente a sua inocência, e apesar de explicar que a sua sobrevivência é a outra morte a que os nazis o condenaram, a todos fica a dúvida de ele ser um traidor, colaborador dos ocupantes.
      Numa sequência lógica implacável, por mais explicações que encontrem e dêem, um a um vão morrendo os homens que atravessam a floresta - e a natureza é o cenário sensível, embora impotente, em que se desenrola a tragédia, como se preenchesse a função de um coro. Sem em momento algum lhe escapar, "No Nevoeiro" percorre até ao fim a sua imparável linha descendente, de perda, de abismo, sem qualquer paliativo ou complacência, o que se torna o seu grande motivo de interesse.
                    O realismo segundo Loznitsa
        No absurdo e na crueldade da ocupação o absurdo da suspeita, da traição, da vingança a que um homem, mesmo se inocente e vítima de uma armadilha, como diz, não pode escapar, num filme feroz e concentracionário sem efeitos ou enfeites de qualquer espécie, que prescinde mesmo da música, secamente narrando a sua experiência extrema no coração duma natureza exuberante, povoada por pequenos animais (os corvos) a que só falta falarem. O recurso ocasional a desfocagens parciais enriquece a imagem sem anular a secura, mesmo a frieza do filme.
        Na linha de "A Minha Alegria" e dos filmes anteriores do cineasta, há neste "No Nevoeiro" uma presença do sensível que a composição visual, a cor, as personagens e a construção da narrativa convocam e transmitem, trabalhando a emoção de forma cinematograficamente sóbria, subtil mas muito expressiva, o que se torna evidente nos diálogos entre os humanos, nos silêncios, nos "comentários" da natureza e confere sentido pleno ao filme. Argumentista e realizador dos seus próprios filmes, Sergei Loznitsa é um cineasta notável, merecedor da nossa melhor atenção.

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