“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 20 de abril de 2014

O regresso de um artista

   Depois de "Moonrise Kingdom", 2012 (ver "Oh, não, outro artista americano!", 18 de Julho de 2012), estreou há pouco o mais recente filme de Wes Anderson, "Grand Budapest Hotel"/"The Grand Budapest Hotel", 2014, que o confirma como um dos cineastas mais originais e importantes do actual cinema americano - não conheço as curtas-metragens que terá feito entre estas suas duas últimas longas.
                    Wes Anderson’s THE GRAND BUDAPEST HOTEL First Clip
   Inspirando-se declaradamente nas obras de Stefan Zweig (1881-1942), um escritor austríaco muito importante na primeira metade do Século XX, Wes Anderson parte de uma história sua em co-autoria com Hugo Guinness e de um argumento seu para uma narrativa intrigante, curiosa e pitoresca situada em 1932 num país indefinido da Europa Central para que desde o início o dispositivo narrativo (alguém que conta acontecimentos que viveu na sua juventude a um interlocutor curioso que os desconhece) desperta a atenção. O dueto de protagonistas da história narrada está muito bem visto, entre o misterioso M. Gustave/Ralph Fiennes, o dono do hotel, e o muito jovem Zero/Toni Revolori que se revela ser o próprio narrador, Mr. Moustafa/F. Murray Abraham, quando jovem aprendiz.
  No desdobrar de personagens típicas ao longo dos acontecimentos em que eles se vêem envolvidos, muito comprometedores para M. Gustave a partir da morte de Madame D/Tilda Swinton, uma importante cliente do hotel de 84 anos (e a caracterização da actriz é excelente) com quem ele estava envolvido, o filme surpreende por ter em pequenos papéis secundários ou de mera caracterização grandes actores do cinema americano e europeu que todos conhecemos e reconhecemos. Esse é um jogo muito bem construído em "Grand Budapest Hotel", a que todos os actores se prestam com grande generosidade e que acaba por enredar ainda mais o mistério que rodeia M. Gustave, porque dele distrai.
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     Com cenários variados e guarda-roupa primoroso, Wes Anderson recupera uma época hoje em dia pouco conhecida, a década que precedeu a II Guerra Mundial, com ligeireza vienense que remete, no cinema, para Max Ophüls (1902-1957) - Madame D pelo seu nome confirma-o - sem esquecer a importância do prório Stefan Zweig, numa novela do qual Roberto Rossellini (1906-1977) se baseou para um dos seus filmes mais controversos dos anos 50, "O Medo"/"La paura" (1954), com Ingrid Bergman.
   Sem poupar nas personagens, nem nas mortes, nem nas intrigas (além de suspeito de assassínio M. Gustave é suspeito de ter roubado um quadro muito valioso), nem nas peripécias, nem nas surpresas, o cineasta aproxima-se da caricatura sem nela em geral cair, ficando-se pelo desenho das personagens em silhuetas de época e assim construindo um filme dinâmico e ligeiro cheio de charme e bom gosto que, porém, não hesita na caricatura quando apropriada, como acontece no veloz tiroteio final.
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     Para cohecer e poder amar o cinema americano de hoje no seu melhor é preciso ver "Grand Budapest Hotel" de Wes Anderson, um dos melhores cineastas-criadores da actualidade que seria de muito mau gosto ignorar na multiplicidade dos seus talentos artísticos - apenas chamo a atenção para a curiosíssima mistura musical de Alexandre Desplat - num filme atravessado pela morte de forma feliz e vivificante, rodado na Alemanha na sua totalidade. Com ele, possuidor de um estilo original próprio mesmo quando trabalha sobre terrenos conhecidos, o cinema continua a ser uma grande arte, não solene nem ostensiva, de maneira extremamente simples e inteligente.    

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