“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sábado, 17 de maio de 2014

O nº 700

    No seu nº 700 de Maio de 2014, um número histórico na tradição da revista, os "Cahiers du Cinéma" jogam, muito apropriadamente, o jogo da emoção no cinema, questionando 140 personalidades do mundo do cinema e da arte sobre uma emoção de cinema, um momento que os assombra na história, muito curta, do cinema.
   Felicitando os "Cahiers du Cinéma" por mais este número histórico, comemorativo de uma revista de referência, sem rival, jogo aqui o jogo que aí propõem: o momento de maior emoção para mim da história do cinema é o final de "Jules e Jim"/"Jules et Jim", de François Truffaut (1961), quando o sobrevivente daquele triângulo transporta as cinzas dos outros dois. Num filme mítico de um cineasta mítico, que se iniciou cedo como crítico nas páginas da revista, tal momento permite-me, sobrevivente imerecido, evocar todos os mortos de todos os grandes amores. 
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     Nunca escondi a minha preferência e o meu respeito pelos "Cahiers du Cinéma", nos seus melhores momentos, como o actual sob a direcção de Stéphane Delorme é, como nos menos bons, uma revista que sempre defendeu criticamente o próprio cinema nas diferentes ideias que sobre ele propôs e em que participaram tantos grandes nomes hoje desaparecidos, a começar pelo próprio André Bazin. Também nunca escondi a minha preferência por François Truffaut na "nouvelle vague" francesa. O amor, a morte que no final deste filme impõe a "compaixão", a "piedade" da catarse, que supera a vulgar empatia. Nas cinzas desta comemoração, com votos de muitos e bons anos de vida.
    Joguem este jogo, sério e inteligente, para o qual a revista nos convida e talvez encontrem algumas surpresas no vosso próprio gosto do cinema. "Numa palavra: emoção", dizia do cinema Sam Fuller no início de "Pedro o Louco"/"Pierrot le fou", de Jean-Luc Godard (1965). Como se calhar já não percebem isto dito assim, em palavras simples e directas, por alguém que talvez nem sequer saibam quem foi, acrescento: "A imagem cinematográfica fornece a melhor demonstração do carácter antroplógico da imagem, pois ela não se forma nem sobre o ecrã nem no "espaço fílmico" fora de quadro, mas no espectador, por associação e reminiscência" (Hans Belting in Bild-Anthropologie: Entwürfe für eine Bildwissenschaft, Wilhem Fink Verlag, München, 2001, que acaba de ter edição portuguesa: Antropologia da Imagem, Kkym, Lisboa, 2014 - traduzo a partir da edição francesa: Pour une anthropologie des images, Gallimard, Paris, 2004, pág. 46).
      Vamos lá. Não durmam agora.

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