“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sábado, 20 de dezembro de 2014

Adição e subtracção

     Aconteceu-me esta semana numa venerável livraria em que poucas vezes entro passar por mim um casal muito jovem que comentou "aqui é poesia, não interessa" e passou para a estante do sector seguinte. Não me chocou, estas coisas vão no sentido dos tempos que correm, e no sector de poesia da venerável livraria mais uma vez não encontrei o que procurava.
      Foi, contudo, esta semana que li quatro grandes livros de poesia, dois deles de uma poesia muito especial que aprecio muito, "Nocturno Europeu" (Lisboa: Relógio D'Água, 2014) e "(ou, transigindo, de que lado passarás a morrer, a clarear)?" (Lisboa: Língua Morta, 2014), de Rui Nunes, os outros dois de um poeta inacessível nas grandes editoras mas que admiro muito, "Sistina" (Porto: edita-me, 2014) e "Um Pouco Acima da Miséria" (Lisboa: & etc, 2014), de Amadeu Baptista
                                      
      Poeta de projectos insensatos sobre a arte, em especial a pintura, Amadeu Baptista dedica "Sistina" a toda a Capela Sistina do Vaticano, painel por painel, do chão ao tecto. Tendo-o acompanhado desde o seu início, em 1982, pude aperceber-me de que (mais um sinal dos tempos) deixou de ter editora fixa, pelo que passou a concorrer a prémios de poesia que sistematicamente ganha e lhe permitem editar os livros que escreve. "Um Pouco Acima da Miséria" devolve-nos o poeta torrencial que aborda os grandes temas, no caso os horrores do Século XX, pelo seu lado menos acessível e mais sensível. Nestes dois livros temos o poeta no seu melhor, em que procede por adição.
      Mais velho que Amadeu Baptista, Rui Nunes, que publicou o seu primeiro livro em 1968, tem uma muito depurada prosa poética, tacteante, repetitiva, obsessiva, que inventa as palavras certas, que procura, para dizer exactamente o que tem a dizer. Em "Nocturno Europeu" retoma muito bem o anterior e premiado "Viagem de Outono" (Lisboa: Relógio D'Água, 2013) e, com fotografias de Paulo Nozolino, acrescenta-lhe "Outras Viagens". São os escombros da Europa, os seus massacres, os seus mortos. Já depois deste surpreende com um novo, pequeno livro, "ou, transigindo, de que lado passarás a morrer, a clarear)?", em que enreda e desenreda a sua escrita, sempre fragmentária e sempre por subtracção, para mais e melhor nos assombrar e desafiar.
                                       
    Hoje em dia poucas coisas, em qualquer arte ou forma de expressão, me movem e me comovem como os últimos livros de Amadeu Baptista e Rui Nunes. Nem um nem o outro alguma vez transigiu na sua criação, numa palavra sequer da respectiva criação literária e poética.
       Descobri agora que o Amadeu Baptista tem um blog, consultável aqui
http://amadeubaptista.blogspot.pt/
que obviamente recomendo.
      "(...) O tempo afasta-nos sempre, o tempo nunca aproxima, o tempo revela como se perde. (...)" - Rui Nunes, in "Outras Viagens", incluído em "Nocturno Europeu", páginas 53-54.

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