“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sábado, 26 de janeiro de 2013

Gente comum

      Cristian Mungiu é um dos nomes mais importantes no novo "cinema novo" romeno que nos tem impressionado com filmes novos e diferentes, reveladores de uma nova atitude perante a vida, o passado e o cinema. Depois de "4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias"/"4 luni, 3 saptamâni si 2 zile" (2007), ele esteve na origem de "Histórias da Idade de Ouro"/"Amintiri din epoca de aur" (2009), filme em episódios de que escreveu o argumento e que co-realizou com Hanno Höfer, Razvan Marculescu, Constantin Popescu e Ioana Uricaru (todos eles a trabalharem na sua primeira longa-metragem de ficção), o que permite ter uma ideia da sua importância e do seu relevo no actual cinema romeno.
       Neste filme estão em causa histórias de pequena gente que, durante os anos 80 na Roménia (a dita "Idade de Ouro") fez o que pôde por si própria, por sua conta e risco, com as autoridades ou à revelia delas, para poder seguir em frente apesar de tudo. O que impressiona em "Histórias da Idade de Ouro" é a atenção aos pormenores do quotidiano, às pequenas questões que saíam dos esquemas oficiais e nas quais as pessoas se confrontavam com um quotidiano difícil e sem nada a ver com as promessas oficiais.
        Nessas pequenas histórias de pequena gente sem importância às voltas com os seus pequenos, quotidianos problemas, surpreende sobretudo o calor humano que emana de uma ironia, de um humor muito particular, caloroso e sereno, que releva de uma ternura especial pelas personagens. São as histórias, baseadas em factos reais, da visita oficial, do retoque da fotografia do ditador, da morte do porco por gás, das amostras de ar e do transportador de galinhas, cada uma delas com as suas personagens que, nas pequenas coisas comportamentais, sociais e comuns, fogem do estabelecido, do previsto, da regra oficial, enquanto são elas próprias, humanas e verdadeiras.
         Não são histórias de resistência, nem sequer de oposição, são histórias banais mas cada uma delas com o seu inequívoco toque humano que as torna simultaneamente divertidas e comoventes. Ora uma parte muito importante do filme resulta do trabalho de Cristian Mangiu como argumentista, e também como realizador, em tudo o que diz respeito às pequenas questões das pequenas gentes em que o detalhe, o pormenor, é o mais importante e revelador, até pelos efeitos que desencadeia. Este filme assume, pois, um relevo muito particular pelo modo como foi feito e pelo respectivo contexto, o que o faz surgir quase como um manifesto em forma de filme
           Cristian Mungiu confirma, assim, ser um novo e importante nome a reter e a acompanhar num novo "cinema novo" que mantém relações sólidas e seguras com a história do cinema e começa a criar e impor a sua própria história. Não creio que seja hoje possível fazer a crítica do regime ditatorial de Ceausescu e/ou compreender o povo romeno sem passar pela crítica do quotidiano feita pelos filmes deste "cinema novo" romeno (ver "Percurso exemplar", 14 de Abril de 2012).

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