“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Isto também não é importante

     O documentário televisivo pode assumir diversas formas, mais ou menos desenvolvidas, mais ou menos atraentes.
   O canal cultural franco-alemão Arte transmite semanalmente, nas tardes de Sábado, o programa Arte Reportage, em que apresenta todas as semanas três documentários desenvolvidos sobre questões humanas, económicas, sociais e políticas sensíveis em todos os quadrantes. São documentários desenvolvidos, que tratam em profundidade questões importantes e, normalmente, mal conhecidas de uma perspectiva original e muito esclarecedora. Neste programa se faz, semanalmente, uma pedagogia do documentário, da divulgação, da informação e do conhecimento, ouvindo sempre os interessados envolvidos em cada questão e respeitando um ponto de vista claro.
               Zeinab Badawi                              
       Num modelo diferente, a BBC World News tem, ao fim de semana, o programa mais curto Reporters, em que são apresentadas reportagens mais actuais e mais sintéticas sobre algumas das questões mais recentes que foram objecto de tratamento jornalístico durante a semana anterior nos noticiários diários daquele mesmo canal, para os quais são feitas todos os dias pelos seus correspondentes em todo o mundo. Menos desenvolvidas, mas sobre as mais inesperadas questões nos mais inesperados locais, algumas das reportagens aí apresentadas são modelares do ponto de vista do filme e do documentário. E aqui penso que a tradição inglesa do documentarismo não explica tudo.                       
                     
       Espectador habitual destes dois programas, considero-me particularmente esclarecido sobre algumas das questões mais candentes do actual panorama internacional pelas peças que eles apresentam com uma qualidade, uma seriedade e um rigor que permitem respirar um pouco melhor, porque permitem saber mais e compreender melhor como vai realmente, a nível local, este mundo globalizado em que todos vivemos. Numa perspectiva mais em cima da actualidade, Reporters, apresentado por Zeinab Badawi (ver "Why Poverty?", 30 de Novembro de 2012), vale muito a pena pelo resumo dos acontecimentos de uma semana que permite e pela diversidade dos assuntos que trata. Numa perspectiva de inquérito mais desenvolvido, mais longo e detalhado, implicando uma maior e mais longa investigação e um mais porfiado trabalho fílmico, Arte-Reportage, apresentado rotativamente por Andrea Fies e William Irigoyen, é um programa exemplar do que de melhor se faz, sistematicamente, na televisão na área do documentário.
                                            
     Aliás, ao Sábado à noite o Arte costuma apresentar também documentários culturais, frequentemente de carácter histórico, com imagens inéditas, outras vezes com recurso à reconstituição, e quase sempre com a inclusão de comentários de reputados especialistas, que têm igualmente o maior interesse e contribuem para a justa reputação de que este canal goza, em especial na área do documentário. Por sua vez, a BBC World News apresenta ao fim-de-semana o programa Dateline London, em que jornalistas britânicos e correspondentes em Londres dos grandes jornais de todo o mundo discutem com Gavin Esler e uns com os outros a actualidade da semana de maneira muito viva e interessante, com pontos de vista muitas vezes divergentes, o que permite ter acesso a perspectivas autorizadas muito diferentes sobre as grandes questões da actualidade internacional.   
                    
        Eu, que não vejo televisão portuguesa (nem lhe sinto a falta) desde o século passado (o século XX), posso recomendar-vos estes dois programas, Arte Reportage e Reporters, perfeitamente exemplares, em que o documentário, segundo filosofias diferentes, trabalha questões importantes, actuais e geralmente menos conhecidas, em benefício do nosso maior conhecimento, de uma maior, mais diversificada e mais precisa informação a que sem eles não teríamos acesso. Falo, portanto, do que vejo e do que gosto. Sei que tenho bom gosto e estou permanentemente bem informado - e também bem acompanhado. Se me quiserem encontrar, procurem-me aí.  
      Mas também devo dizer que me encontram, abismado e encantado, perante a "Poesia Reunida" de Maria do Rosário Pedreira (1), vencedor do Prémio Literário Fundação Inês de Castro 2012, que é um livro de rara qualidade poética, de uma enorme intensidade de sentimentos que, para se revelarem em todos os seus matizes, são ditos por um trabalho poético de grande expressividade e rigor. É sem dúvida o melhor livro de poesia que me foi dado ler nos últimos tempos, a descoberta de uma voz pessoal e emocionada perante a simples dádiva da existência, que não é algo a malbaratar em caso algum, mas a descobrir e acrescentar sempre. A expressão "...parece deslocada no tempo e assume todos os riscos «intempestivos» de um aparente confessionalismo sentimental", com que, no prefácio, Pedro Mexia qualifica a poética da autora, é uma expressão feliz que identifica muito bem o processo poético de Maria do Rosário Pedreira.
                                         
        Li-o numa noite, de encantamento e fascínio comovido, e enquanto o li permaneci presa da poesia da autora, dos sentidos e dos sentimentos dela - e dos meus. Mas talvez tivesse sido preferível não o ter lido, o que por outras palavras quer dizer que assumo como obrigação grata lê-lo pelo menos mais uma vez por ano e querer fazê-lo sempre como se cada vez fosse a primeira.

Nota
(1) Quetzal, Lisboa, 2012. Mesmo que neste local e com este pretexto, quero chamar a atenção para esta editora, que tem apresentado nos últimos anos um catálogo muito importante, do maior interesse quer na ficção, portuguesa e estrangeira, quer na poesia. 

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