“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sábado, 10 de agosto de 2013

A natureza nos sentimentos

   Há múltiplas versões cinematográficas de "O Monte dos Vendavais"/"Wuthering Heighs", o romance de Emily Brontë (1818-1848) que marcou uma época na literatura inglesa do Século XIX. Assim de repente, há os filmes de William Wyler (1939), de Luís Buñuel (1953), de Jacque Rivette (1984-85), que são filmes de referência. Mas a partir de agora há também o filme da inglesa Andrea Arnold (2011), de quem é a terceira longa-metragem, que é um filme muito apreciável, feito a seguir ao notável "Aquário"/"Fish Tank" (2009)
                    
    Sendo este um daqueles casos em que se pode falar de um repertório cinematográfica de raiz literária, anteriormente trabalhado por grandes cineastas, há que começar por dizer que o filme de Andrea Arnold está inteiramente à altura dos seus antecessores, até pelo tom pessoal que ela lhe imprime. Para além de um Heathcliff negro, Solomon Glave quando jovem, James Howson quando adulto, o filme destaca-se por um trabalho aturado sobre o plano, as suas linhas de força, o seu enquadramento - com apontamentos preciosos da natureza turbulenta, na primeira parte, da natureza mais apaziguada, mas entre a água da chuva e o fogo da lareira, na segunda -, e um trabalho rigoroso sobre a iluminação, o grande-plano, insistente até ao muito grande-plano, a desfocagem sempre oportuna e justificada do fundo ou do primeiro plano, os movimentos de câmara, que direi excessivos.
     Os apontamentos esparsos que recortam a natureza assumem uma importância muito grande numa história marcada por uma paixão primitiva e precoce, que acaba por se frustrar, e esse lado do amor que passa ao lado do casamento e do casamento - de Cathy, Shannon Beer quando jovem, Kaya Scodelario quando adulta - que passa ao lado do amor está muito bem restituído pelo filme. Além disso, há as pancadas brutais que atingem Heathcliff, na segunda parte a bota da própria Cathy sobre o seu rosto, a fuga dele depois da não-escolha dela entre ele e o marido, Edgar/James Northcote, o que exprime a presença de uma violência ela também primitiva - sem esquecer a perturbadora Isabella, Eve Coverley quando jovem, Nichola Burley quando adulta, que funciona como testemunha não-indiferente.
                    
      Embora não seja especialmente apreciador dos movimentos rápidos com a câmara ao ombro, entendo que os travellings conferem a Heathcliff e à sua paixão um sentimento de premência, mas também de tormento, que os justifica. Juntamente com o acima referido, nomeadamente a presença de uma natureza elementar, por vezes vazia, que contamina o filme e as suas personagens, eles conferem ao filme de Andrea Arnold um sentido de natureza primitiva e selvagem, de destino imparável. Ora tudo isto faz com que este filme se afaste da teatralidade televisiva e do academismo das produções habituais da BBC, mesmo e especialmente quando baseadas em clássicos da literatura inglesa, por mérito da própria realizadora que assim nele deixa a sua marca pessoal.
                    
      Andrea Arnold, participante no argumento como nos seus filmes anteriores, confirma-se assim como um nome muito interessante, a seguir atentamente no actual panorama do cinema inglês. Este seu "O Monte dos Vendavais" é um filme original e pessoal, o que aqui deve ser devidamente reconhecido e assinalado. Não se compara, evidentemente, com "Vale Abraão", de Manoel de Oliveira (1993), mas aí penso mesmo que só ao próprio Manoel de Oliveira podemos exigir que faça filmes como os dele.

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