“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Amanhã à mesma hora

        Sempre gostei de filmes sobre o próprio cinema, e então os filmes sobre a "morte do cinema" são os meus preferidos. É disso que trata "O Pai das Minhas Filhas"/"Le pére de mes enfants" (2009), a segunda longa-metragem da francesa Mia Hansen-Love, que agora aqui me traz.
                    Arthouse
       Com argumento da própria realizadora, aí começa por aparecer um muito atarefado produtor de cinema, Grégoire Canvel/Louis-Do de Lencquesaing, que, pressionado profissionalmente por problemas e dívidas, sai de cena pela sua própria mão, pela sua própria arma, a meio do filme. A viúva, Sylvia Canvel/Chiara Caselli, mãe das suas filhas, vai tentar manter de pé e a trabalhar a produtora Moon Films, retomando os contactos dele com realizadores e credores. Em vão, pois a produtora, falida, acaba mesmo por ser liquidada.
                   
        Parcialmente inspirado no produtor francês Humbert Balsan (1954-2005), figura importante na produção cinematográfica europeia, o filme assume um tom vagamente nostálgico e triste sem cair na lamechice sentimental, sempre seguro pela cineasta no fio tenso que o separa do melodrama para o manter numa melancolia evocativa e sonhadora. Contrariamente ao que muitos poderão pensar, o cinema, sendo uma actividade fascinante, não é uma actividade fácil, quem o faz e quem permite que seja feito encontra no seu caminho as maiores e mais variadas dificuldades, de que este filme mostra sem contemplações uma parte significativa.
       O cinema é mesmo isto, feito por gente que se confronta com os problemas com que todos nos confrontamos, só que agravados por geralmente envolver muito dinheiro, como com Grégoire acontece e o leva a atingir o limite. E quando esse limite é atingido torna-se muito difícil para os outros continuar. O que resta então, depois do fim da produtora? Resta o espírito daquele que a animou, o amor do cinema, resta o espírito de continuar a fazer filmes, bons filmes.
                    
        É notável que, logo no seu segundo filme, uma jovem cineasta, Mia Hansen-Love, passe por aí da maneira como o faz em "O Pai das Minhas Filhas", um filme com duas partes contrastadas, a primeira movimentada e com deslocações no espaço para cenários belíssimos, a segunda mais centrada em Paris, ambas muito bem filmadas, em que se sente o amor do cinema.
      A ideia da "morte do cinema" é tão antiga como o próprio cinema. Quantas produtoras importantes faliram e acabaram, quantas outras começaram ou a partir delas recomeçaram. Essa é mesmo uma parte importante da vida, da história do cinema. Mas partir da ideia de que o cinema é apenas um "negócio", fácil e seguro, só ocasional e localizadamente fez sentido, e aí pode depender mesmo da dimensão do "negócio". O cinema que interessa, interessa independentemente do seu custo ou da sua rentabilidade, é antes algo em que o produtor, o realizador e os outros participantes conseguiram a colaboração criativa certa, que tem de ser construída filme a filme, como o caso de Humbert Balsan atesta e este filme demonstra - e é esse cinema que é importante que não morra. O "sucesso" é outra coisa, dependente de circunstâncias de momento, por exemplo da coincidência de um filme com os interesses de momento dos espectadores, como dizia François Truffaut - uma coincidência hoje em dia evidentemente programável, como se sabe.

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