“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O bom blockbuster

     Quer gostemos mais ou menos dele, o blockbuster faz parte do cinema americano dos últimos quarenta anos, em que ocupa mesmo um lugar importante, de referência. Há-os para todos os gostos e sobre vários assuntos, mas o que caracteriza primariamente o blockbuster é ser um filme de acção espectacular, envolvendo grandes meios para criar maiores efeitos. Por definição, o blockbuster é, portanto, um filme de grandes multidões e de grande sucesso, embora outro dos seus princípios, nem sempre seguido, seja o de envolver uma narrativa infantil, programada, que infantiliza os espectadores.
     Sem ser um fã do conceito, fui ver "O Mascarilha"/"The Lone Ranger", de Gore Verbinski (2013), por se tratar de uma personagem com a qual travei contacto precoce, primeiro em banda desenhada a preto e branco, depois na televisão. Personagem da cultura popular americana também no cinema, penso que os filmes que dela se ocuparam na época da série televisiva que lhe foi dedicada, a década de 50, nunca passaram de uma série B muito fraca. Mesmo assim, compreendo que esses filmes tenham ocupado o seu lugar no cinema americano para o americano espectador médio de cinema dos anos 50, tanto mais quanto a personagem tem origem ainda nos anos 30.
                  The Lone Ranger NECA Action Figures 
       Mas fui ver este filme por um segundo motivo, que é de ter sido anunciado pela Disney, antes da sua estreia em Portugal, que "O Mascarilha" ia obter resultados de bilheteira muito inferiores ao esperado. Ora um blockbuster que perde dinheiro decididamente interessa-me.    
       O filme, dirigido pelo realizador dos filmes "O Pirata das Caraíbas"/"Pirates of the Caribbean", interpretados pelo mesmo Johnny Depp que aqui faz o papel do índio, Tonto, tem aspectos muito interessantes e curiosos que fazem dele um bom filme, qualquer que seja o seu resultado de bilheteira.    
                 The Lone Ranger                                    
    
       O dispositivo narrativo está bem imaginado e bem gerido a partir do índio envelhecido numa barraca de feira do Wild West em 1933, o que confere distância e permite jogar com a indefinição entre a história e a lenda, as personagens do Lone Ranger/Armie Hammer, do Tonto e daqueles que eles combatem estão muito bem caracterizadas, com destaque para Tonto que, na interpretação de Johnny Depp, assume traços keatonianos, insinua-se um humor bem utilizado, por vezes declarado, e o uso frequente do comboio, inteiramente justificado num filme que trata da construção do primeiro caminho-de-ferro da América, é acompanhado repetidamente pelo o gag-maquínico de Tonto e no final é mesmo pretexto para um arremedo de gag-trajectória, como lhes chama Gilles Deleuze, nomeadamente de "Pamplinas Maquinista"/"The General", de Buster Keaton (1926), o cineasta que o mesmo autor considera que, por contraposição a Charles Chaplin, inscreveu um género de pequena forma da Imagem-Acção, o burlesco mudo, na grande forma (1).
        Há outras referências à história do western, de Monument Valley dos filmes de John Ford ao seminal "The Great Train Robbery", de Edwin S. Porter (1903), mesmo a questão da mulher do irmão, mas o filme é sobretudo marcado por um mal radical instalado na direcção da companhia do caminho-de-ferro que, usando o seu irmão, Butch Cavendish/William Fichtner, para o efeito, leva primeiro à morte do irmão do Lone Ranger, Dan Reid/James Badge Dale, e desencadeia depois o massacre dos comanches, acusados falsamente do que os seus próprios homens cometeram, um mal que se trata de abater.    
                           
        Com bons elementos técnicos, como era de esperar, que sobressaem sobretudo na corrida desvairada de vários comboios em simultâneo do final, o mítico cavalo branco Silver e a música da abertura da ópera "Gulherme Tell", de Rossini, que emblematicamente acompanham a personagem, "O Mascarilha" ocupa, do lado do cinema, uma posição muito honrosa no conceito de blockbuster, que não me é especialmente simpático. Mas isto digo eu, que conheço a história da personagem e a história do cinema, o que provavelmente não é o caso da maioria dos espectadores actuais.
         A questão é o western não estar na ordem do dia, apesar do seu carácter lúdico o filme se prestar menos aos jogos de vídeo e a personagem ter sido popular especialmente numa época anterior ao movimento pop. Mas Helena Bonham Carter, com Johnny Depp actriz de Tim Burton, vale bem o que se achar que falta a este filme. 

Notas
(1) Cf. Gilles Deleuze, "L'image-mouvement", Paris, Les Éditions de Minuit, 1983, páginas 231-242.

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