“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O bom ponto de vista

      "Apenas o Vento"/"Csak a szél" (2012) do húngaro Benedek Fliegauf poderia não passar de mais um filme bem intencionado por uma boa causa, a do respeito da etnia cigana, como acontece com os filmes de Tony Gatlif, não se dera o caso de assumir o único bom ponto de vista sobre o assunto: o das vítimas.
                    Apenas o Vento : Foto Katalin Toldi
      Sem pretender assumir o estatuto de documentário mas baseando-se em factos reais, o cineasta segue à vez a mãe, a filha e o filho de uma família de ciganos pobres cujo pai está ausente, no Canadá, e sem os abandonar vai-nos dando o meio social mas também o contexto de assassinatos de famílias ciganas em que aquelas personagens vivem, o que, acompanhado pela crispação de grupos de vigilantes e pela displicência policial, condescendente, se torna muito esclarecedor.
     Num caso como este, o ponto de vista errado seria dar a perspectiva das vítimas e a perspectiva dos assassinos, como se fosse possível a respeito desta questão uma partilha de opiniões. A opção de Benedek Fliegauf é, pois, a opção certa, que lhe permite construir a individualidade e o mistério de cada um dos membros daquela família, em especial do filho a partir do momento em que ele se esconde de um automóvel entre as ervas.
                    Apenas o Vento : Foto Lajos Sárkány
          Era preciso mostrar tudo daquele ponto de vista, o dos que são discriminados e vão morrer, como era preciso da morte mostrar os cadáveres no final. Tudo preciso e exacto, sem idealização nem contemporização, com uma câmara sempre em movimento e uma fotografia com cores luminosas e gritantes. Se aquilo aconteceu é preciso que todos o saibamos para que nos indignemos e façamos por que não se repita. E para isso não precisamos de saber quem foram, concretamente, os assassinos - mostrá-los significaria reconhecer-lhes uma dignidade que eles obviamente não têm.
     "Apenas o Vento" não é um filme espectacular e emocionante ao jeito a que estamos habituados no cinema? Não, de facto não é, pois não pretende esclarecer por intermédio de uma retórica fácil, antes nos quer mostrar secamente alguma coisa que devemos conhecer do único ponto de vista justo. Por casos como o deste filme passa uma preocupante difusão de ideias neo-nazis e racistas ameaçadoras e muito perigosas nos nossos dias, questão a que aqui fiz referência (ver "Um cineasta sério", 17 de Agosto de 2013). Depois não digam que o cinema passa ao lado destas questões - a questão é que não passemos nós ao lado dos filmes certos.

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