“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 24 de novembro de 2013

Saber esperar

     "Um Planeta Solitário"/"The Loneliest Planet" é o terceiro filme da russo-americana Julia Loktev (2011), centrado em três personagens, um par de namorados, Alex/Gael Garcia Bernal e Nica/Hani Furstenberg, e o guia Dato/Bidzina Gujabidze que os conduz numa excursão através das montanhas da Geórgia. Objecto dir-se-ia apátrida e sem destino definido, o filme apresenta uma narrativa minimalista, no limiar da deriva e do tédio, até ao momento em que Alex e Nica apanham um valente susto
                      The Lonliest Planet
       A partir de então a câmara afasta-se imediatamente, os planos tornam-se mais longos e os percursos abstractos, assinalando uma nova gravidade, até ao momento em que, depois de ela ter caído na água dum ribeiro, enquanto Alex dorme Nica trava com Dato um diálogo a sós em que ele lhe conta a sua vida passada e lhe diz que ali, nas imensas montanhas, encontra a verdadeira vida e a realidade, após o que a beija.
     O argumento da autoria da cineasta, baseado num conto de Tom Bissell e incluindo um excerto de "Um Herói do Nosso Tempo", de Mikhail Lermontov,  trabalha a incerteza que para o par reveste, sobretudo a partir de certo momento, a sua caminhada, até desembocar na história de um homem que foi casado como eles se aprestam para ser, que introduz uma circularidade muito especial. Toda a arte do filme e da sua autora reside no tratamento do espaço e do tempo, com actores a simplesmente animarem as suas personagens.  
                      Lonliestplanethand_body
       Mas de tal maneira os acontecimentos surgem escalonados e articulados no tempo e no espaço que percebemos que aquelas duas personagens, que se limitam a tentar passar o seu tempo de maneira agradável na natureza (e aqui a pista ecológica é uma falsa pista), aí vão encontrar o susto e uma delas uma verdade inesperada que a desperta.
       Inconclusivo no seu final definido, "Um Planeta Solitário" é um filme que cumpre de forma exemplar o seu projecto narrativo, espacial e temporal, a que, na sua desarmante arte da espera, é preciso estar atento. Sempre gostei de percursos que aparentemente não conduzem a lado nenhum, no fim dos quais, enquanto os outros dormem, acabamos por descobrir o que não esperávamos nem desejávamos.

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