“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 17 de novembro de 2013

Violência em espiral

      O canal cultural franco-alemão Arte transmitiu esta semana "Dog Pound", de Kim Chapiron (2009), que, comercialmente inédito em Portugal, é um filme de raro dramatismo e grande violência que decorre numa prisão para jovens delinquentes em Enola Vale, no Montana. Esta terceira longa-metragem do realizador, também co-argumentista com Jeremie Delon, é uma obre seca e dura, que implicou um longo trabalho de preparação e envolve como actores alguns dos jovens detidos em papéis secundários.
                   
    A espiral de violência a que nos é dado assistir, a partir da chega de três novos detidos, entre jovens delinquentes que na prisão se batem por uma supremacia, tráficos, jogos de influência e poder, está soberbamente realizada e interpretada, quase sem sair de um espaço prisional de que não há saída. Naturalmente permeáveis à recordação, ao devaneio e aos projectos de futuro, eles não perdem, porém, uma fundamental hostilidade para com os que os vigiam e lhes constrangem os movimentos, um antagonismo que acaba por os unir na revolta final, fruto duma acumulação de revoltas e de dois caso gravíssimos acontecidos com dois deles.
     Seco e duro, "Dog Pound" mantém sempre a distância justa, que vai até à grande proximidade do grande-plano, e um ritmo marcado por uma montagem curta, que segue a violência do quotidiano e impede que retomemos o fôlego - um fôlego que não é permitido aos jovens detidos e que eles não se permitem a si próprios. Acompanhado por uma música sincopada, áspera e moderna, o filme arrasta-nos no turbilhão daquelas vidas no cárcere, não se dispensando de prestar especial atenção a um dos guardas prisionais. 
                    
     Sempre justo, tenso e preciso, este filme descobre e revela fundamentais fragilidades num sistema prisional que tem de lidar com delinquentes especialmente violentos provenientes de uma sociedade especialmente violenta, de tal modo que a prisão, em vez de contribuir para reeducar e recuperar os jovens detidos, serve apenas para ecoar e aumentar uma violência latente, sempre pronta a explodir. Sem pretender dar lições de moral, Kim Chapiron procura mostrar de forma clara a situação lamentável de um estado de coisas instalado, o que faz de "Dog Pound" um poderoso libelo acusatório.
      Quando encarado seriamente, o cinema pode servir também para isto, e seria uma pena que passássemos ao lado desta bela obra violenta e muito bem feita, que nos leva a olhar de outro modo quer para a violência da sociedade em que vivemos, quer para o sistema em que ela se insere e que é suposto regulá-la para melhor, o que também aqui não faz.
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      O Arte tem destas vantagens que nenhum outro canal televisivo, mesmo os de cinema, tem: mostrar sistematicamente o mais relevante e às vezes menos conhecido da produção cinematográfica e televisiva recente de todo o mundo - e "Dog Pound" foi justamente premiado no Tribeca Film Festival de 2010. Influenciado por "Scum", do inglês Alan Clarke (1979), no seu realismo e no seu dramatismo este primeiro filme americano de Kim Chapiron não deixa ninguém indiferente, tanto mais quanto percebemos que a violência que encena e mostra no microcosmos em que decorre é uma amostra significativa do lado mais predador e negro da própria América, que ali se encontra também retratado.

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