“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 5 de janeiro de 2014

Ser ou não ser pai

     O mais recente filme do japonês Hirokazu Koreeda, "Tal Pai, Tal Filho"/"Soshite chichi ni naru" (2013), fez-me lembrar Yasujiro Ozu. Irresistivelmente porque, como nos filmes do grande mestre, trata de questões familiares entre pais e filhos, passam comboios e, surpreendentemente, surge a câmara em posição baixa. Não acredito no acaso (sobre Koreeda, ver "Um desejo", 19 de Agosto de 2012).  
                      Fotogaleria do filme «Tal Pai, Tal Filho»
    Na verdade, este filme sobre recém-nascidos trocados na maternidade a partir do momento em que a troca é descoberta, contra o que seria de esperar é mais sobre os pais, em especial um dos pais, Ryota Nonomiya/Masaharu Fukuyama, com muito trabalho e uma boa posição na vida, que se questiona, do que sobre as mães, discretas e secundárias.
    Direi mesmo que ao centrar-se em Ryota e Yudai Saiki/Rirî Furankî, o outro pai, comerciante, que não quer ser enganado e pensa mesmo tirar o possível proveito da situação, "Tal Pai, Tal Filho" enfrenta a solidão masculina mesmo e em especial quando reveste a figura paterna. De facto, aquilo que esclarece, do lado do primeiro, o desencontro com o filho é sobretudo a visita ao seu próprio pai, enquanto o que sobressai do lado do segundo é a sua habilidade em ser pai para os seus filhos e o culto da sua própria mãe, já morta. 
                      Fotogaleria do filme «Tal Pai, Tal Filho»
    O filme avança gradualmente, com grande segurança e acerto, até à cena do tribunal, em que se esclarece a razão da troca - não é a felicidade mas a infelicidade que é contagiosa -, a partir da qual enfrenta de modo mais imediato a reposição da ordem natural, biológica - a partir da fotografia em que todos sorriem, como lhes é pedido. O que não se revela fácil.
    E é justamente por não procurar o lugar-comum nem a facilidade que este é mais um filme notável do seu realizador, também argumentista, que nos permite perceber melhor tudo o que de novo se passa no cinema japonês. Analisadas, escalpelizadas, as ideias de casal e de paternidade, embora não rejeitadas, levam um valente abanão contra o conformismo instalado. E a banda musical é absolutamente surpreendente. 
                                     Fotogaleria do filme «Tal Pai, Tal Filho»
    Hirokazu Koreeda enfrenta e faz-nos enfrentar com uma serenidade japonesa, com assombrosa secura e sobriedade mas também com a perfeita noção do pormenor e da subtileza, uma situação propícia à especulação sem esboçar qualquer movimento na direcção dela, já que o que lhe interessa é a situação pessoal de cada um dos intervenientes, incluindo os filhos - em especial Keita Nonomiya/Keita Ninomiya, que se apercebe das limitações do seu pai e dele se desencontra. 
    Recuperando com grande felicidade a pontuação clássica (o encadeado a negro) e recorrendo a pequenos e justos movimentos de câmara, enquanto se encaminha para uma conclusão complexa, em que o espectador tem a sua parte a desempenhar, "Tal Pai, Tal Filho" é um filme admirável.

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