“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sábado, 15 de março de 2014

Um filme histórico

    Por uma feliz decisão de programação, o Cineclube do Porto exibiu esta semana na Casa das Artes, no Porto, o filme "Centro Histórico", encomendado pela Guimarães 2012 - Capital Europeia da Cultura a quatro destacados cineastas europeus, que não tinha ainda sido mostrado depois do evento que o suscitou. Desta vez consegui ver, e ainda bem, pois trata-se mesmo de um filme histórico.
                    
   "O Tasqueiro", dirigido pelo finlandês Aki Kaurismäki, é uma pequena e muito saborosa curta-metragem que, em breves apontamentos, dá o clima de uma tasca vimaranense que serve refeições e da cidade em volta dela. Com um actor finlandês, Ikka Koivula, o cineasta deixa a sua inconfundível marca pessoal em pequenos, significativos pormenores, como a soleira muito gasta da porta, a mudança do que está escrito na ementa, a prodigiosa selecção de fados e, em geral, o preenchimento do espaço visual e sonoro.
                    
    Em "Sweet Exorcism" Pedro Costa convoca de novo o já nosso conhecido Ventura para um abissal e memorável mergulho no passado português, que ele mesmo em 25 de Abril de 1974 viveu de fora e de dentro, no Jardim da Estrela, com a sua gente. Mas se essa circunstância, convocada entre outras pela personagem, é importante, mais importante ainda é a construção deste segmento, que se resolve entre um Ventura cada vez mais fantomático e a escultura de um militar, enquanto vozes não localizadas do espaço fora de campo (off no sentido de Serge Daney), provenientes de interlocutores invisíveis - salvo se corresponderem a personagens que, não identificadas, são mostradas na abertura e no fecho, em exteriores, o que não é esclarecido -, estabelecem o diálogo com o primeiro. Não é, contudo, de excluir, que essas vozes provenham da cabeça do próprio Ventura, que ele as imagine. Este é mais um momento fundamental do cinema corajoso e exigente de Pedro Costa, a que me apetece chamar o seu "momento transcendental".
                     
     Tendo já escrito aqui sobre "Vidros Partidos" (ver "Por Victor Erice", 21 de Setembro de 2013), que só por si justifica esta encomenda, apenas me falta referir o pequeno apontamento, ele também memorável por causa da assinatura, que é "O Conquistador Conquistado", de Manoel de Oliveira, em que um guia turístico/Ricardo Trepa mostra Guimarães a um grupo de turistas enquanto lhes conta a história da fundação de um reino. Com suavidade e elegância, guardando a distância que o narrador e a sua audiência, os novos "conquistadores" em que ninguém é individualizado impõem, o mestre português mostra tudo e conta tudo, pormenorizadamente, para toda a gente, justificando plenamente a pertinência deste convite e da sua aceitação .
    Do mesmo passo que felicito o Cineclube do Porto por esta iniciativa de programação, muito oportuna e muito bem acolhida, volto a dizer aqui que este é um filme histórico não só pelo evento que esteve na sua origem mas sobretudo pela prodigiosa conjunção de grandes cineastas que proporcionou, um filme que por isso mesmo merece uma divulgação alargada, de modo que possa chegar a todos.

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