“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 18 de janeiro de 2015

De longe

    Tenho em boa conta o cineasta bielorrusso Sergei Loznitsa, cuja obra conheço e de cujos filmes já aqui falei (ver "Um sentido sensível", de 15 de Julho de 2013, e "Comemorativo", de 11 de Janeiro de 2015). Senhor de um estilo cinematográfico próprio, baseado no plano fixo longo, desde as suas primeiras curtas-metragens documentais ele tem deixado muito boa impressão.
     O seu mais recente filme, "A Praça"/"Maidan" (2014), sobre a revolução ucraniana contra o domínio de um poder suspeito e estranho, contraria, porém essa boa impressão. Não se põe aqui em causa a eventual boa intenção do cineasta por uma boa causa, mas a sua fidelidade a uma estratégia de plano fixo e longo num documentário de longa-metragem que abdica de identificar personagens, como é de regra acontecer nesse género, preferindo guardar uma distância que lhe permitiria, se permitisse, manter um olhar frio e neutro, uma estratégia que claramente aqui falha.
                    
      Desde o seu início com Robert Flaherty e Dziga Vertov que o documentário escolhe pelo mens uma personagem mediadora, que permita ao espectador aproximar-se da situação tratada e compreendê-la, o que desde Jean Rouch tem sido prolongado e aprofundado de maneiras diversas, por exemplo por Frederick Wiseman. Ora a opção de Sergei Loznitsa neste filme é de manter a grande distância na recolha de imagens, passando para a palavra dita na instalação sonora ou no microfone da praça o encargo de nos fazer entrar no filme. Repito: não resulta. 
     Qualquer documentário televisivo mais curto, da BBC ou do Arte, segue a regra de se aproximar de alguém em concreto e lhe dar a palavra. Ora em "A Praça", embora mantendo o ponto de vista dos revoltosos e permanecendo fiel à sua visão estratégica em plano fixo, o cineasta situa-se e situa-nos demasiado longe dos acontecimentos que com a sua câmara passivamente regista, o que apesar de tudo é o seu único mérito.  
                     “A Praça” (2014)_2
     Para ser oportuno e estar em cima do acontecimeto Loznitsa perde a perspectiva do documentário cinematográfico, deixando o seu próprio e distante ponto de vista impor-se sem mais e sem acrescentar nada de novo que de relevante sobre a questão todos não soubéssemos já. Ora, como ele próprio sabe, o documentário, como qualquer outro género cinematográfico, deve acrescentar conhecimento, mesmo se eventualmente contra a perspectiva do próprio cineasta, o que aqui não acontece - o que mostra é uma multidão como outras, e a esta distância todas se equivalem.
       Neutro, mortiço, "A Praça" poderá quando muito passar por mais um exercício de estilo do seu autor, não por uma sua obra nova, cinematograficamente prometedora, que de facto não é. Melhores eram as suas curtas-metragens iniciais, que não se ocupavam de grandes temas mediáticos. Sergei Loznitsa precisa, pois, de regressar ao seu início e repensar de novo tudo aquilo que para cinema faz.   

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