“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 18 de janeiro de 2015

Questionar o cinema

      O muito aguardado "Adeus à Linguagem"/"Adieu au langage", de Jean-Luc Godard (2014), é um filme provocador e inteligente, à altura do seu autor, tanto no uso do 3D como no uso da linguagem. E se não fosse assim não teria o interesse que efectivamente tem.
                   
        O 3D torna-se mais interessante pelo seu uso radical, extremo, com a exploração do centro e das partes laterais do ecrã, o que vem justamente clarificar o seu interesse e os seus limites, tanto em exteriores como em interiores, corpo humano (feminino é claro) incluído. Mas é no uso simultâneo da palavra dita e escrita que reside e resiste o comentário pessoal de Godard sobre o presente a partir da história, com referências e citações especialmente significativas neste contexto.
        Mas uma vez passados todos os comentários ditos, todas as imagens que convergem para uma imagem única e uniforme num ecrã de plasma diante de duas cadeiras vazias, fica-nos uma ideia pessimista sobre o presente, em que há que preservar a palavra e salvaguardar o pensamento. A não ser que seja um convite a deixarmos todos o plasma desligado e as cadeiras diante dele vazias, o que será outra e bem melhor possibilidade.
                    Jean-Luc Godard's Cannes favourite Adieu au Langage features Roxy, the dog.
      Jean-Luc Godard sempre foi pessimista, o que é mesmo um dos seus méritos. Ressalva duas questões: uma pequena, a profundidade no plano, a outra grande, o além (supõe-se que o além do fundo da profundidade do campo, mas pode ser outro).
     Com todas as referências culturais pessoais e todas as comparações pertinentes, o cineasta parece pouco convicto do triunfo da imagem sobre a palavra, com tantos livros importantes em feira e uma imagem tão vistosa a ganhar-lhes em prestígio e atenção, embora outras imagens, noutras épocas - e é a questão da imagem da pintura e da fabulosa citação de Claude Monet sobre a cegueira do pintor.
                    
        Ainda bem que consegui ver "Adeus à Linguagem" em 3D, uma experiência radical que, embora seja pela imagem, nomeadamente a imagem do cinema, não é necessariamente em favor deste processo, de que explora as possibilidades e os limites - não gostei nada daquele focinho de cão atirado para cima de mim nem do 3D no centro da imagem, do plano. E aqui trata-se justamente de, a partir de uma imagem que por si própria pensa em termos visuais e auditivos, insistir na palavra e no pensamento, qualquer que seja a imagem que pensa e origina o pensamento. (Sobre Jean-Luc Godard ver "Godard, o passado e o presente", de 17 de Junho de 2012, "Outro filme histórico", de 30 de Abril de 2014, e "Comemorativo", de 11 de Janeiro de 2015.)

Nota
Sobre as questões levantadas por este filme, cf. "Da Civilização da Palavra à Civilização da Imagem", com organização de Olga Pombo e António Guerreiro (Lisboa: Fim de Século, 2012).

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