“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 15 de novembro de 2015

O que fica

    No momento em que estavam a decorrer os criminosos e bárbaros atentados em Paris a uma nova e inimaginável escala, estava a ver o filme "Poll", de Chris Kraus (2010), o primeiro que vejo deste novo cineasta alemão.
    Trata-se de um filme muito curioso e muito bem feito, com argumento do próprio realizador baseado nas memórias de Oda Schaefer (1900-1988), sua tia-avó, jornalista e escritora. Situado na Estónia, para onde Oda von Siering/Paula Beer vai viver com os pais e o irmão nas vésperas do início da I Guerra Mundial, durante o Verão de 1914, tem a sua narrativa apoiada em dois elementos exteriores: a presença do exército czarista em território estóneo e um anarquista russo fugitivo, Schnaps/Tambet Tuisk que procura abrigo na casa da família.
                     Cette image a été partagée à de nombreuses reprises sur les réseaux sociaux après les fusillades du 13 novembre.                
   Adoptando resolutamente o ponto de vista da protagonista, o cineasta dá conta das suas perplexidades perante os conflitos familiares e sociais, bem como perante a presença de um desconhecido que, no entanto, é levada a proteger e ajuda a ocultar-se. Misto de estranheza e de recusa, Oda von Siering vai-se apercebendo de que o mundo dos adultos, mesmo o dos da sua idade, não tem nada a ver com a aparência tranquila e tranquilizadora que todos fazem questão de ostentar.
   Do pai, médico, Ebbo von Siering/Edgar Selge, ela aprende o que se sabe sobre o cérebro humano - e a relação pai-filha está muito bem dada - embora mais tarde venha a ser confrontada com o seu desconhecimento da natureza humana. No final espera-se que tudo vá mudar com o rebentar da guerra, justamente quando Schnaps, o anarquista figitivo, resolve sair de cena. 
                     The Poll Diaries is a touching historical drama is seen through the eyes of an adolescent Oda Scheafer, the famed German writer and journalist. Her father, Ebbo, is an eccentric German doctor whose questionable interest in racial breeding has made him an outcast in the scientific community. As Europe teeters on the brink of war and Russian forces crack down on Estonian rebels, Oda meets Schnaps, a wounded Estonian anarchist. Hiding him at Poll and secretly nursing him back to health, Oda risks triggering a tragic chain of events.
     O que fica depois da morte do que viveu, nas palavras finais da própria Oda, é nada de nada, o que encontra justificação plena na informação do final de que de Oda Schaefer, grande poeta alemã, não existe no momento do filme nenhuma obra disponível. Ficou para ela a memória daquele desconhecido que acolheu, protegeu mas que partiu, deixando-a só para o resto dos seus dias com a ideia da morte a trabalhar como semente nos seus poemas. 
    Se estivesse em Paris neste dia talvez nunca tivesse assistido a este magnífico filme, que passou esta semana no Arte. Em Paris tenho as minhas mais fortes memórias afectivas e referências culturais, de maneira de que quando lá acontece ir acomete-me sempre o desejo de não regressar aqui. Não sei se lá poderei voltar algum dia, mas em revolta e dor estou de novo plenamente com os parisianses (ver "Je suis Charlie", de 7 de Janeiro de 2015).

Sem comentários:

Enviar um comentário