“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 10 de janeiro de 2016

Dois por um

    O anunciado "A Ponte dos Espiões"/"Bridge of Spies", de Steven Spielberg (2015), notabiliza-se sobretudo pelo argumento de Matt Charman, Ethan e Joel Coen, baseado em personagens e factos reais, já que a realização, monocordicamante spielberguiana, é sóbria e segura, com pleno domínio dos seus meios e do seu estilo até ao academismo de si próprio.
     Não tem nada que saber: James B. Donovan/Tom Hanks, advogado de uma companhia de seguros, foi o Schindler americano da Guerra Fria, que pelos seus meios conseguiu a troca de Rudolf Abel/Mark Rylance, espião soviético preso nos Estados Unidos, pelo piloto de um avião U2 americano preso pelos soviéticos, Francis Gary Powers/Austin Stowell, e por um jovem estudante americano, Frederic Pryor/Will Rogers, preso por imprudência ou temeridade sua na República Democrática Alemã de então.
                    Mark Rylance as Rudolf Abel and Tom Hanks as James Donovan in "Bridge of Spies."
    Pessoalmente não me adianta conhecer os meandros deste caso, que foi amplamente noticiado na imprensa da época, mas compreendo que para Steven Spielberg e os Coen faça todo o sentido dá-lo a conhecer em pormenor como protagonizado por um americano exemplar, à maneira que o cineasta tanto aprecia. 
     Como advogado destacado contra vontade para um caso que não escolhera e que acaba por tomar conta dele quando ele o assume, há nesse aspecto na interpretação de Tom Hanks um tom particular e pessoal que resulta de uma especial empatia entre ele e o realizador. No desenvolvimento do seu envolvimento com os serviços secretos do seu país, outras metas depois do julgamento, habilmente decidido com as suas sugestões, vão ser impostas a Donovan. Deslocando-se de Brooklyn para a Europa (para a pesca ao salmão na Escócia, segundo disse em casa), ele consegue na Alemanha passar para o outro lado e resolver a contento de todos, e também seu, o espinhoso problema da troca de prisioneiros, sem ficar indiferente ao que entretanto vê: a construção do muro de Berlim.
                     james-b-donovan-tom-hanks-is-recruited-by-the-cia-during-the-cold-war-to-help-rescue-a-pilot-detained-in-the-soviet-union-in-steven-spielbergs-bridge-of-spies-a-drama-based-on-a-true-story
     Com todos os apontamentos históricos certos e uma visão sagaz e certeira dos homens do outro lado, "A Ponte dos Espiões" é um bom filme ao estilo um tanto pomposo do Spielberg mais grave, o que  não me agrada e faz com que para mim não aumente a sua importância e o seu alcance. Mas é mesmo assim que o cineasta se nos apresenta na actualidade como representante da Nova Hollywood dos anos 70 do Século XX, em que se revelou.
     Devo, mesmo assim, referir aqui a proximidade entre "Lincoln" (2012) e "Tempestade Sobre Washington"/"Advise & Consent", de Otto Preminger (1962), estabelecida por Bernard Benoliel (1), que, sendo pertinente, poderá permitir a aproximação entre o tom grave e político de alguns dos mais recentes filmes de Steven Spielberg e os do seu antecessor no final dos anos 50 e o início dos 60, o que, se for justo (e talvez seja), jogará em seu favor. Pertinente a propósito de "Lincoln", a comparação poderá surgir como forçado a propósito de "A Ponte dos Espiões", que tem sobretudo relações no interior da obra de Spielberg, mas não quero deixar de o referir aqui como uma pista possível para o cineasta na história do cinema americano.
                      Bridge of Spies promotional still (DREAMWORKS) 
   Em qualquer caso, estamos sem dúvida perante grande e inteligente entretenimento cinematográfico pelas mãos de um grande cineasta, que se preocupa de novo em pacificar os americanos com a sua história, o que não deve ser minimizado (sobre Steven Spielberg, ver "Do lado de Agatha", de 8 de Abril de 2012, "Spielberg 2011", de 30 de Setembro de 2012, e "A história e a lenda", de 12 de Fevereiro de 2013).
                        
     Nota
     (1) Cf Bernard Benoliel, "Lincoln center", in Trafic - Revue de Cinéma nº 86, Verão 2013 (Paris: P.O.L.).

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