“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Uma verdade inconveniente

     Com o seu habitual sentido da oportunidade, Oliver Stone dirigiu "Snowden" (2016) sobre um dos mais estranhos e controversos acontecimentos da política contemporânea, mas teve que o fazer na Europa devido à falta de apoio dos estúdios americanos e sem outros apoios que lhe foram negados.
    Dramatizando factos e situações que o documentário de Laura Poitras "Citizenfour" (2014) tratara de outra maneira (ver "Actualidade escaldante", de 31 de Março de 2015), mas incluindo-a a ela enquanto trabalha, a abordagem do cineasta torna-se ainda mais violenta e demolidora, embora os acontecimentos sejam conhecidos pelo menos na sua fase final. Que tenha sido um aluno brilhante quem se colocou os problemas que Edward Snowden colocou e coloca não é em qualquer caso indiferente ao tratamento deste assunto, tal como interessa conhecer melhor a sua vida pessoal, o seu lado humano e o seu percurso.
                      
    No seu terreno de biopic disfarçado, este  filme de Oliver Stone cumpre os seus objectivos como cumpriam os deles biopics anteriores seus de que o melhor, não o sendo exactamente, sem desmerecer os outros era "JFK" (1991). A escolha de assuntos politicamente sensíveis caracteriza, aliás, os filmes mais conhecidos deste cineasta, assuntos esses que geralmente superam o valor cinematográfico de cada um deles mas permitem rotulá-los como "cinema político" - american way.
     Em todo o caso trata-se de um bom filme de um cineasta bem intencionado, que neste caso pretende mesmo interferir na actualidade ao expor o passado de um caso actual, tanto mais escaldante politicamente quanto mais mediatizado. Senhor de um estilo seguro que se adapta e reinventa a cada filme, o que justamente terá sido fundamental para o seu entendimento como um novo clássico do cinema americano - um estilo que neste filme, com a sua justificada secura nem sequer atinge o seu melhor -, deve-se reconhecer que quando Oliver Stone arrisca mais formalmente saem coisas melhores como "JFK", "Assassinos Natos"/"Natural Born Killers" (1994) - a partir de história de Quentin Tarantino -, "World Trade Center" (2006) ou, mesmo se discutível, "Selvagens"/Savages" (2012), por exemplo.
                       snowden trailer
      Com argumento de Kieran Fitzgerald e do realizador a partir do livro de Anatoly Kucherana e Luke Harding, com Edward Snowden interpretado por Joseph Gordon-Levitt, Lindsay Mills por Shailene Wooddley e Laura Poitras por Melissa Leo num cast muito homegéneo, "Snowden" é um filme que não desmerece do seu protagonista nem do seu realizador, neste momento um cineasta com uma obra importante e empenhada, se bem que desigual, atrás de si. Que as questões que levanta e que permanecem em aberto incomodem só lhe fica bem, mesmo se o protagonista justifica ainda hoje o epíteto que lhe foi dado no início de "Branca de Neve".
      Prefiro o documentário de Laura Poitras, mas mesmo assim penso que quem viu um filme deve ver o outro. Sobre Oliver Stone ver "Indeciso", de 12 de Outubro de 2012.     

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