O terceiro volume de "As Mil e Uma Noites", de Miguel Gomes (2015), intitulado "O Encantado", fecha muito bem este tríptico, em tom diverso mas retrospectivamente esclarecedor - aliás em sentido um tanto diferente do segundo volume, "O Desolado".
Num filme que é, no seu todo, declaradamente político, é aqui que o cineasta mostra melhor a sua estratégia de olhar para o aparentemente acessório, para as margens para, através dele, delas chamar a atenção dos espectadores para o essencial: os efeitos de um país em crise. Uma estratégia inteligente e que funciona bem, por entre claras alusões avulsas, que se entendem sempre muito bem.
![as1001noites_trailer.jpg as1001noites_trailer.jpg](http://3.fotos.web.sapo.io/i/Be414dae1/18598086_Vs7pD.jpeg)
Num filme que é, no seu todo, declaradamente político, é aqui que o cineasta mostra melhor a sua estratégia de olhar para o aparentemente acessório, para as margens para, através dele, delas chamar a atenção dos espectadores para o essencial: os efeitos de um país em crise. Uma estratégia inteligente e que funciona bem, por entre claras alusões avulsas, que se entendem sempre muito bem.
![as1001noites_trailer.jpg as1001noites_trailer.jpg](http://3.fotos.web.sapo.io/i/Be414dae1/18598086_Vs7pD.jpeg)
De facto, contra um certo grau de ficcionalização que "O Desolado" implicava, depois de um prólogo que podia ser melhor sobre a própria Sherazade, este "O Encantado" trata em tom documental - tendencialmente documetal em função da maioria dos seus intérpretes, encenado com a participação dos que lhes são exteriores, ao que nada tenho a objectar - dos passarinheiros de Lisboa num capítulo intitulado "O Inebriante Cantar dos Tentilhões", que constitui a sua parte mais importante e mais longa. Pelo meio, há um curto capítulo intitulado "Floresta Quente", em que uma chinesa, que nunca se vê, conta a sua vida em Potugal enquanto é mostrada nas imagens uma manifestação de polícias, e uma manifestação política contra o Governo em que se canta "Grândola" e o hino nacional.
Perante tanto "politicamente correcto", os passarinheiros, as suas histórias e as suas competições dadas em pormenor funcionam como centro agregador mas também de distracção - sem qualquer outra alusão profissional, durante a crise a população continuou a sua vida comum, o que serve como despertar para a realidade com crise e para além dela, e era já era sinalizado contrapontisticamente pelo curto episódio de apicultura no início do primeiro volume, "O Inquieto".
![6243-2](http://www.apaladewalsh.com/wp-content/uploads/2015/08/6243-2-940x529.jpg)
Não sendo, nem querendo parecer ingénuo, numa sucessão de acontecimentos sem história Miguel Gomes acompanha aqui um grupo populacional mal conhecido de que capta e transmite muito bem as práticas e os hábitos, muito característicos e largamente alusivos. Com a ideia de que os passarinheiros existem assim há muito e vão continuar a existir por muito tempo, com crise ou sem ela, sem que ninguém dê por eles e sem incomodarem ninguém.
Para compensar do início equívoco e de circunstância, destinado a estabelecer a narradora no seu papel, no final o cineasta despede-se com uma pirueta cinematográfica, em jeito português de "ora toma e embrulha": as ervas ao vento, uma panorâmica de 360º (lembrem-se quem e quando o fez antes no cinema) e um longuíssimo travelling de acompanhamento do protagonista que caminha - tudo nos quinze minutos finais, o que por mim não era preciso, embora compreenda, e até aplauda, como necessidade de "demarcação de território" cinematográfico.
![Miguel Gomes](http://i1.wp.com/www.escreveretriste.com/wp-content/uploads/2012/03/Miguel-Gomes.jpg?fit=900%2C900)
Com os reincidentes Crista Alfaiate, Carloto Cotta e Gonçalo Waddington, volta a ser Chico Chapas como passarinheiro-guia a dominar o filme, revelando de novo ter sido ele a grande descoberta e criação de Miguel Gomes neste seu tríptico.
Como balanço, só agora possível, discute-se, por exemplo, qual dos três filmes é o melhor - eu sou pelo segundo volume, "O Desolado", apesar da grande qualidade que reconheço aos outros dois. O grande final está no primeiro volume, "O Inquieto" - e percebe-se agora melhor que, com desempregados, nem sequer era excessivo -, enquanto este terceiro volume, "O Encantado", termina em grande em termos formais sobre um homem que caminha só.
Sabe-se que Miguel Gomes trabalhou longamente a montagem final de "As Mil e Uma Noites" e este terceiro volume, "O Encantado", aparenta ser, dos seus três volumes, aquele em que ele terá levado mais longe uma via de compromisso e aquele que, talvez por isso, surge como menos equilibrado (sobre este tríptico, ver "Um caso muito sério - 1", de 4 de Setembro de 2015, e "Um caso muito sério - 2", de 29 de Setembro de 2015).
![6243-2](http://www.apaladewalsh.com/wp-content/uploads/2015/08/6243-2-940x529.jpg)
Não sendo, nem querendo parecer ingénuo, numa sucessão de acontecimentos sem história Miguel Gomes acompanha aqui um grupo populacional mal conhecido de que capta e transmite muito bem as práticas e os hábitos, muito característicos e largamente alusivos. Com a ideia de que os passarinheiros existem assim há muito e vão continuar a existir por muito tempo, com crise ou sem ela, sem que ninguém dê por eles e sem incomodarem ninguém.
Para compensar do início equívoco e de circunstância, destinado a estabelecer a narradora no seu papel, no final o cineasta despede-se com uma pirueta cinematográfica, em jeito português de "ora toma e embrulha": as ervas ao vento, uma panorâmica de 360º (lembrem-se quem e quando o fez antes no cinema) e um longuíssimo travelling de acompanhamento do protagonista que caminha - tudo nos quinze minutos finais, o que por mim não era preciso, embora compreenda, e até aplauda, como necessidade de "demarcação de território" cinematográfico.
![Miguel Gomes](http://i1.wp.com/www.escreveretriste.com/wp-content/uploads/2012/03/Miguel-Gomes.jpg?fit=900%2C900)
Com os reincidentes Crista Alfaiate, Carloto Cotta e Gonçalo Waddington, volta a ser Chico Chapas como passarinheiro-guia a dominar o filme, revelando de novo ter sido ele a grande descoberta e criação de Miguel Gomes neste seu tríptico.
Como balanço, só agora possível, discute-se, por exemplo, qual dos três filmes é o melhor - eu sou pelo segundo volume, "O Desolado", apesar da grande qualidade que reconheço aos outros dois. O grande final está no primeiro volume, "O Inquieto" - e percebe-se agora melhor que, com desempregados, nem sequer era excessivo -, enquanto este terceiro volume, "O Encantado", termina em grande em termos formais sobre um homem que caminha só.
Sabe-se que Miguel Gomes trabalhou longamente a montagem final de "As Mil e Uma Noites" e este terceiro volume, "O Encantado", aparenta ser, dos seus três volumes, aquele em que ele terá levado mais longe uma via de compromisso e aquele que, talvez por isso, surge como menos equilibrado (sobre este tríptico, ver "Um caso muito sério - 1", de 4 de Setembro de 2015, e "Um caso muito sério - 2", de 29 de Setembro de 2015).
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