“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Furar os limites

    "Mustang" é a primeira longa-metragem da franco-turca Deniz Gamze Ergüven (2015), com argumento seu e de Alice Winocour que implicou vários anos de preparação - começou a ser escrito em 2011 -, um filme de produção germano-franco-turca multipremiado que desperta a nossa atenção por diversos bons motivos.
                    Turkish actresses (clockwise from left) Tugba Sunguroglu, Ilayda Akdogan, Gunes Sensoy, Elit Iscan and Doga Zeynep Doguslu pose during a photocall for the film "Mustang" on the sidelines of the 68th Cannes Film Festival in Cannes, southeastern France, on May 19, 2015. (Loic Venance/AFP/Getty Images)
    Na Turquia os tempos não correm fáceis para ninguém, muito menos para as mulheres jovens numa aldeia perdida do interior. Cinco irmãs orfãs vêem-se acossadas pela família, a avó/Nihal G. Koldas, e um tio, Erol/Ayberk Pekcan, que as fecham em casa e lhes proíbem todos os contactos com o exterior, enquanto a primeira lhes prepara "casamentos arranjados" contra a vontade delas que a elas são supostas chegar virgens. Em poucas palavras, duas aceitam esses casamentos, Sonay/Ilayda Akdogan e Selma/Tugba Sunguroglu, uma mata-se, Ece/Elit Iscan, e as duas últimas, Nur/Doga Zeynep Doguslu e Lale/Günes Sensoy, a mais nova que é a narradora, conseguem fugir. 
    Muito bem trabalhado em termos fílmicos, este "Mustang" merece a nossa melhor atenção pelo retrato justo a partir do concreto - género e idade - de uma sociedade dividida - o discurso oficial sobre a mulher que as personagens ouvem na televisão - e por saber lidar com um momento fugidio e não esclarecido entre o tio e a sobrinha mais nova, já próximo do seu final, que Lale resolve com um copo de água na cozinha.  
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    A música é apropriada e está bem utilizada neste filme estreado este ano em Portugal que manifesta um desembaraço invejável em termos de cinema que é raro encontrar numa primeira obra, embora seja notória a influência de "As Virgens Suicidas"/"The Virgin Suicides", de Sofia Coppola (1999), que foi também um excelente primeiro filme.  
   Com a melhor construção formal e actrizes e actores sempre justos em papéis ingratos, "Mustang" de Deniz Gamze Ergüven tem o mérito especial de colocar todas as possibilidades de que a última, a fuga para Istambul liderada pela narradora, surge como a preferível e mais razoável, porque fura o cárcere e o sistema na procura de uma vida livre e melhor.

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