“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Toda a memória do mundo

     A exposição "Le Musée imaginaire d'Henri Langlois" que está na Cinemateca Francesa, em Paris, até 3 de Agosto, presta justa homenagem, no centenário do seu nascimento, ao grande nome fundador da ideia de cinemateca como museu do cinema, que a partir sobretudo dele ganhou curso na segunda metade do século XX e permanece até hoje.
      Fundador da Cinemateca Francesa em 1936 com Georges Franju e Jean Mitry, Henri Langlois foi uma personalidade invulgar, alguém que sonhou projectar o passado do cinema para o seu presente e o seu futuro. Baseado no seu gosto pessoal, o de alguém que acompanhou o cinema desde o tempo do mudo, das vanguardas dos anos 20 durante as quais conviveu com artistas de referência, ele soube preservar e mostrar o que considerou essencial, não se dispensando de escrever sobre filmes e cineastas em tom inteiramente pessoal, como deve ser.E o seu gosto pessoal foi decisivo, sem prevalecer sobre o critério de preservar e mostrar tudo.
                                           
  Desse modo, depois de ter atravessado a II Guerra Mundial e a Ocupação em situação especialmente difícil e ingrata, ele marcou o cinema francês, europeu e mundial do pós-guerra ao proporcionar aos jovens de então, futuros críticos e cineastas da "nouvelle vague", dos cinemas novos e posteriores, a possibilidade de conhecerem extensivamente a história do cinema. No conflito com o Ministro da Cultura André Malraux, que o quis afastar do seu posto, à volta da sua figura como Director da Cinemateca Francesa, que então recebeu os mais relevantes apoios de todo o mundo do cinema, terá sido mesmo acendido o rastilho para o Maio de 68.
   A exposição é muito boa, histórica mesmo, em especial por documentar a sua vida desde muito cedo em estreita ligação com o cinema, com as mulheres que amaram o cinema (Iris Barry, Lotte H. Eisner, Mary Meerson) e com as mulheres que amou no cinema, por ilustrar o seu gosto do cinema e por recolher algumas das ofertas pessoais, que documentam filmes e momentos fundamentais da história do cinema, que lhe foram feitas por grandes nomes do cinema com destino à cinemateca que dirigia - e a totalidade dessas peças consta do Museu da Cinemateca Francesa, que por isso merece também visita atenta e demorada. "Le Musée imaginaire d'Henri Langlois" inclui mesmo um curto filme experimental, "Le métro", que ele, fazendo o gosto ao seu gosto precoce do cinema, realizou com Georges Franju em 1934.    
                    
     Num tempo em que os filmes, todos os filmes são acessíveis noutros meios, é preciso redescobrir o gosto de preservar e de exibir, programando-a, a história do cinema segundo os múltiplos critérios possíveis, como ele exemplarmente fez. É por causa do seu trabalho e do seu exemplo que as cinematecas continuam a ser instituições indispensáveis e insubstituíveis.
     Em Portugal o exemplo frutificou, sobretudo com a Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema sob a Direcção João Bénard da Costa, de quem o nº 89 da "Trafic", da Primavera de 2014, traduz em francês o excelente estudo "50 anos da Cinemateca Francesa, 60 anos de Henri Langlois", primitivamente publicado pela Cinemateca Portuguesa em 1986. As cinematecas continuam a ser fundamentais, e conhecer o seu início, os seus princípios, a sua influência, os seus desenvolvimentos e as suas crises nesta exposição da Cinemateca Francesa é um saudável exercício de memória e de homenagem.
                    
     Para além do catálogo comentado da exposição, com direcção de Dominique Paini, que inclui depoimentos espantosos de grandes nomes o cinema, chamo a atenção para a publicação integral dos escritos de Henri Langlois, "Écrits de cinéma (1931-1977)", um notável exercício de amor e de saber que merece ser conhecido.
      Aproveito esta oportunidade para daqui saudar José Manuel Costa, este ano nomeado Director da Cinemateca Portuguesa, a quem desejo as maiores felicidades e um trabalho profícuo num cargo para o qual parece talhado e que estou certo desempenhará cabalmente, mantendo o prestígio nacional e internacional da instituição e beneficiando o cinema ao mostrar ao presente e ao futuro, programando-o e preservando-o, o presente e o passado do cinema.

Sem comentários:

Enviar um comentário