A exposição "Henri Cartier-Bresson" que termina na próxima segunda-feira, 9 de Junho, no Centro Georges Pompidou, em Paris, é uma exposição de grande qualidade pois permite uma perspectiva vasta, embora muito longe de exaustiva, do trabalho do célebre fotógrafo. As suas fotografias atingiram, hoje em dia, um estatuto mítico que lhes advém de ele ter atingido justamente o estatuto de lenda da fotografia.
Esta personagem lendária viveu, de facto, os grandes acontecimentos do Século XX, dos anos 20 das vanguardas, nomeadamente surrealista, aos anos 60/70 de agudização de conflitos mas também de florescimento de novos movimentos artísticos e sociais empurrados por uma nova juventude então emergente. A sua obra começa, sob influência surrealista, no final dos anos 20, um tempo a partir do qual viaja primeiro por África e pela Europa, depois pelo México e os Estados Unidos, fotografa intensamente em França, participa em filmes de Jean Renoir, filma a Guerra Civil de Espanha (1936-1939). A sua fotografia é então especialmente artística, marcada pelas influências estéticas que recebeu de Eugène Atget, da Nouvelle Vision e dos surrealistas, o que está na origem de fotografias de elevada composição estética - desde o início adopta a "secção de ouro" - e carga erótica.
No prosseguimento do século fotografa o final da II Guerra Mundial e só com a sua obra até aí inaugura o conceito de foto-reportagem. Mas vai ser a atenção ao momento certo, ao momento decisivo, que a ele lhe competia descobrir, que vai caracterizá-lo, sempre com apurada concepção técnica e composição estética, para o que o domínio das possibilidades da sua Leica se revela fundamental.
No pós-guerra, depois de uma primeira retrospectiva no MoMA, em New York, é um dos fundadores da Agência Magnum, que lança o conceito de foto-reportagem e para a qual percorre o mundo, da Índia e da China à Rússia e a Cuba em momentos especialmente dramáticos, e muitos outros locais. Nos anos 50 fotografa personalidades do mundo da cultura, sempre a França mas também a América, furtivamente - aquilo de que se sente mais a falta nesta exposição e em que terá residido o seu maior contributo para a Antroplogia Visual. Mais adiante a França do final dos anos 60 e a sociedade de consumo, mas sempre o homem comum do século XX, debatendo-se com o trabalho, entregando-se ao lazer, à celebração e à dor, perdido na multidão ou lidando com a sua solidão.
Se em especial para quem não viu esta exposição memorável e muito oportuna o excelente catálogo do Pompidou, assinado por Clément Chéroux, é indispensável por mostrar reproduções de fotografias históricas de Cartier-Bresson acompanhadas de comentários sempre justificados e esclarecedores, para mim absolutamente fundametal é o livrinho de entrevistas "Voir est un tout - Entretiens et conversations (1951-1998)", com edição estabelecida por Clément Chéroux e Julie Jones (Paris, Centre Pompidou, 2013), em que o grande fotógrafo se confessa e confidencia os seus segredos. Aí ele se refere à sua actividade de fotógrafo como um duro prazer.
No final da exposição, a fotografia intitulada "Autoportrait, près de Céreste" (1999). Fundamental num fotógrafo que dedicou especial atenção ao preto e branco embora tenha vindo a utilizar, tardia e raramente, a cor, também participou no cinema e antes de começar a fazer fotografia se dedicou ao desenho e à pintura, actividades a que regressou depois de se retirar nos anos 70. De si mesmo dizia: "Eu sou visual (...) Observo, observo, observo. É pelos olhos que compreendo."
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