Alain Resnais foi um dos mais importantes cineastas de toda a história do cinema (ver "Poética de Alain Renais", 30 de Março de 2014), de uma impressionante modernidade até ao seu último filme, "Aimer, boire, chanter" (2014), que permanece inédito em Portugal, um país cuja distribuição cinematográfica continua a ser amnésica e oportunista. Concluído pouco antes da sua morte e justamente apreciado internacionalmente, esse é um filme de assombrosa celebração da vida no que ela tem de mais elementarmente importante, o que até compreendo num homem de 91 anos.
Calibrado entre pares, entre casais, como lhe aconteceu desde os anos 80, "Aimer, boire, chanter", de novo baseado em peça do inglês Alan Ayckbourn que já estivera na base de "Fumar"/Não Fumar"-"Smoking/No Smoking" (1993), um filme fundamental na sua obra, constrói-se sobre uma personagem ausente e invisível, Georges, a quem foi diagnosticado um cancro com a perspectiva de poucos meses de vida. E é em favor dessa personagem ausente que, além de si próprias, todas as personagens presentes trabalham, com actores excepcionais, durante os ensaios de uma peça a que nunca assistimos, o que é fundamental no cinema onde o invisível corresponde, por definição, a cada um de nós, espectadores.
Apeteceria, por isso, chamar begmaniamente a este filme "Durante o Ensaio", não se dera o caso de o ensaio não ser mostrado a não ser na repetição de alguns diálogos. O que interessou Resnais foram as personagens, sobretudo as personagens femininas, cada uma delas com alguma relação com Georges em algum momento das suas vidas. Não conhecendo a peça original, admito que nela tudo isto já estivesse contido.
Mas o que me deixa abismado neste filme é a sua concentração num mesmo espaço, que funciona como os bastidores do palco, onde as personagens são filmadas em geral à distância salvo quando lhes é dedicado um primeiro plano confessional. Sobre os seus próprios sentimentos, contra um fundo neutro, cinza. Ora partindo de um dispositivo teatral, levado às suas últimas consequências mesmo de variação de cenários propostos no mesmo espaço, Alain Resnais enxerta-lhe a linguagem do cinema com uma presteza extraordinária e uma pertinência notável, enquanto as suas personagens discorrem sobre a vida, o amor, a morte - a memória, o tempo, mas também e sempre o corpo.
Por mim não conheço cineasta francês ou mesmo europeu mais moderno do que Resnais foi no seu último filme. E chamo vivamente a atenção para o excelente dossier que os "Cahiers du Cinéma" lhe dedicam no seu nº 699, de Abril de 2014, "Alain Resnais à jamais", em especial para os excelentes ensaios de Joachim Lepastier e Cyril Béghin, e para a sua última entrevista na "Positif" nº 638, também deste mês.
Saudando afectuosamente Sabine Azéma por todas as suas actrizes, todos os seus actores e colaboradores, e prometendo regressar a ele logo que possível, aqui deixo este apontamento breve mas muito sentido sobre um gigante do cinema que muito apreciei e continuo a apreciar com conhecimento de causa. Porque ele é "Renaissance", como muito bem intitula Stéphane Delorme o seu editorial nos "Cahiers". Sempre em celebração da vida, dos sentimentos, dos encontros e desencontros, do amor.