É um filme belíssimo, de uma beleza hoje em dia invulgar, a segunda longa-metragem de Michelangelo Frammartino, "As Quatro Voltas"/"Le quattro volte" (2010). Filmado numa aldeia da Calábria, em Itália, sem palavras audíveis identificáveis e com pouca música, desenvolve-se numa primeira parte entre um velho pastor e o seu rebanho, com passagem repetida por uma encruzilhada em que decorre o episódio mais movimentado, construído como gag cómico em plano longo.
Só nessa sua primeira parte o filme assume uma dimensão humana e natural muito apreciável, dando-nos a solidão e a velhice do pastor e o abandono do rebanho, que não se sabe se depende dele se, com o cão, toma conta dele. Com todas as ligações certas até o pastor "adormecer", alarga-se depois sobre a aldeia e o meio, que já antes acompanhara, com maior atenção aos mais novos, em festa e em trabalho. Abandonando a encruzilhada física, "As Quatro Voltas" dá-se mais tempo para olhar em volta e mostrar.
Sem verdadeiros antecedentes no cinema italiano, este filme de Michelangelo Frammartino constrói-se sobre o aparentemente insignificante de uma forma cinematograficamente muito rica, com grande variação de escala de planos mas de modo que cada plano é sempre justo, distribuindo a sua atenção pelos humanos, salvo o velho pastor nunca completamente identificados, pelo rebanho, pela aldeia e o espaço envolvente, com a presença constante dos ruídos e acolhendo uma importante dimensão documental de que a natureza, a terra próxima e as montanhas ao fundo, a festa e o trabalho, mas também a própria aldeia e os seus habitantes fazem parte integrante.
Além de uma discreta emoção, uma vaga e fina ironia atravessa "As Quatro Voltas" a partir do olhar do cineasta, como se convidando-nos a reflectir sobre a persistência daquele espaço intacto, com aquelas personagens e características, perdido no tempo, no nosso tempo. A lentidão aliada à falta de diálogos audíveis permite a Michelangelo Frammartino abismar-se na beleza, uma beleza invulgar, mas também convida à reflexão.