“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Os melhores do ano

    O ano do 105º aniversário de Manoel de Oliveira, assinalado em Portugal pela morte do poeta António Ramos Rosa (1924-2013), foi também negativamente marcado entre nós pelo encerramento de 5 (cinco) salas de cinema em Lisboa. 
     Os filmes estreados ficaram, em geral, aquém das expectativas, apesar de algumas surpresas e excepções, que se concentraram no final do ano. Desse modo, aqui proponho os 10 melhores filmes do ano, avisando que não vi tudo o que estreou (longe disso), até porque, para piorar a situação já de si lastimável, filmes houve que estiveram uma ou duas semanas em cartaz - outros, e dos melhores, nem sequer isso. São eles os seguintes:
1. A Propósito de Llewyn Davis/Inside Llewyn Davis, de Joel e Ethan Coen (2013);
2. Fausto/Faust, de Alexandr Sokurov (2011);
3. Like Someone in Love, de Abbas Kiarostami (2012);
4. China - Um Toque de Pecado/Tian zhu ding, de Jia Zhang-ke (2013);
5. Django Libertado/Django Unchained, de Quentin Tarantino (2012);
6. Venus de Vison/La venus à la fourrure, de Roman Polanski (2013);
7. Hannah Arendt, de Margaretta von Trotta (2012);
8. Noutro País/Da-reun na-ra-e-seo/In Another Country, de Hong Sang-soo, (2012); 
9. A Rapariga de Parte Nenhuma/La fille de nulle part, de Jean-Claude Brisseau (2012);  
10. Blue Jasmine, de Woody Allen (2013).
                    
    O ano cinematográfico acabou por ser salvo pela reposição em sala de dois filmes fundamentais do japonês Yasujiro Ozu (1903-1963), "Viagem a Tóquio"/"Tôkiô Monogatari" (1953) e "O Gosto do Saké"/"Sanma no aji" (1962), e pelo acontecimento que é o lançamento de "A História do Cinema - Uma Odisseia"/"The Story of Film - An Odissey", do crítico, historiador e realizador irlandês Mark Cousins (2011), que trabalha muito bem, para todas as audiências, cronologicamente e com as boas ligações para a história e dentro do cinema, uma área antes explorada criativamente por Jean-Luc Godard. Com omissões evidentes que o ponto de vista adoptado e a escassa duração com que lida (15 horas) explicam, este é um trabalho notável, pelo qual felicito o seu autor e que aconselho a todos.
       Tendo deixado passar os principais festivais de cinema portugueses (IndieLisboa, DocLisboa, Lisbon & Estoril Film Festival) por absoluta falta de tempo livre mesmo para eles, consegui apenas ver alguma coisa do que de mais interessante estreou e recuperar em dvd alguns filmes que não tiveram estreia comercial, o que já não foi mau. Espero que também para o cinema português o próximo ano seja melhor.
                                              Votos de Feliz Ano Novo para 2014.

A vida e a morte

     O mais recente filme de Asghar Farhadi, "O Passado"/"Le passé" (2013), rodado em França onde a sua narrativa decorre, vem confirmar plenamente as qualidades reveladas em "Uma Separação"/"Jodaeiye Nader az Simin", 2011 (ver "Uma questão familiar", 5 de Julho de 2012). De novo também autor do argumento, o cineasta volta a dar muito boa conta de si a esse nível, com uma narrativa bem construída, que é o que em primeiro lugar para este seu filme chama a atenção. 
                     
       Mais uma vez está em causa o que poderei voltar a chamar "uma questão familiar", só que desta vez tudo gira em volta de uma mulher, Marie Brisson/Bérénice Bejo, que se quer divorciar do anterior marido, Ahmad/Ali Mosaffa, para poder dispor de si - eventualmente casar com o seu namorado actual, o pai do filho que ela traz consigo, Samir/Tahar Rahim. Cada um deles tem filhos de anteriores casamentos, mas Samir tem ainda viva a anterior mulher, Céline/Aleksandra Klebanska, que devido a uma tentativa de suicídio se encontra nos hospital, ligada à vida por máquinas.
       Vai ser a personagem de Ahmad que, chegando para o divórcio, nos vai conduzir ao interior da teia de relações estabelecida, ele que é alheio ao que no presente decorre já que nem sequer um filho de Marie tem, vendo-se obrigado a lidar com as filhas do primeiro casamento dela e com o filho de Samir. Não vou contar a história, apenas acrescento que se Ahmad é, naquelas circunstâncias, o revelador, de Céline vai ser exigida no final a contraprova: do que se passou, se sobreviver, do que se virá a passar em qualquer caso.  
                      le-passe_Lucie
            A construção do mistério do filme, com os seus diferentes segredos, é muto bem feita em termos fílmicos e muito bem defendida pelos actores. Há sobretudo uma sequência, a que começa com o ponto de vista se Samir enquanto muda uma lâmpada, que, filmada em continuidade, lança os segredos manifestos e ocultos da narrativa em termos cinematograficamente perfeitos. Essa sequência, que implica a mudança do ponto de vista do filme de Ahmad para Samir, segue-se à revelação por Lucie/Pauline Burlet, a filha mais velha de Marie, a Ahmad do papel que anteriormente teve no desenrolar dos acontecimentos, e decorre na noite em que ela não regressa a casa e é desesperadamente procurada.
       Fosse outro o meio e aquelas questões provavelmente não se colocariam da mesma maneira, mas em "O Passado" estão em causa, para além da origem de cada personagem, um homem que regressa para se divorciar e entende em cada mulher a mesma mulher e um outro homem que não sabe decidir-se entre duas mulheres, tanto mais quanto outras interferem no seu juízo. Os pequenos passos com que o filme avança vão precisamente no sentido de que ali, entre masculino e feminino alguma coisa de mais profundo se joga entre a verdade e a mentira à volta de uma mancha numa peça de roupa. 
                       Le passe - Asghar Farhadi
       Desse ponto de vista o filme de Asghar Farhadi torna-se mesmo transparente, com o envolvimento de uma outra mulher, Naïma/Sabrina Ouazani, e o estabelecimento da dúvida no espírito de Samir, uma dúvida que só Céline poderá esclarecer se... Jogando muito bem com o lugar-comum e com a personagem de Ahmad como intermediário, o cineasta faz descascar cada camada de verdade para chegar a uma dúvida, não a uma conclusão, que deixa em suspenso, dependente da reacção ao sensível: o perfume.
         Não é por acaso que, logo desde a chegada de Ahmad um vidro impede-o de comunicar com Marie, não obstante o que eles se entendem, e é a este nível de subtileza cinematográfica, entre o visível e o sensível, em que a transparência, aparentemente espessa e opaca, não se torna obstáculo, que este filme muito dialogado, que se joga no final entre a vida e a morte, deve ser entendido. Não há aqui mistérios inexplicáveis. O que é preciso é perceber a que nível, para além ou aquém das palavras, aquela teia de relações se processa e define.

domingo, 29 de dezembro de 2013

Alguns livros e o mais

    Durante o ano que agora finda foram dados à estampa alguns livros sobre cinema em português, alguns deles de autores portugueses ou sobre autores portugueses ou sobre cinema português.
       Ainda com data de 2012, a Imprensa Nacional - Casa da Moeda e a Sociedade Portuguesa de Autores editaram "Fernando Lopes - Um Rapaz de Lisboa" de Jorge Leitão Ramos, que cumpre com brio e eficácia o projecto biográfico, que se impunha, de um nome fundamental do cinema português. Sempre em cima da sua vida e da sua obra, que acompanha detidamente, incluindo muitas declarações do cineasta e uma filmografia muito completa, é um livro de referência.
                            
       No prosseguimento de um projecto editorial muito importante, a Orfeu Negro editou com a Midas Filmes "Um Melro Dourado, Um Ramo de Flores, Uma Colher de Prata - No Quarto da Vanda - Conversa com Pedro Costa", do próprio cineasta, Cyril Neyrat e Andy Rector, livro muito importante de conversa, imagens e textos acompanhado pela edição dvd desse mesmo filme. Além disso, de Pedro Costa foi ainda apresentado o livro "Casa de Lava - Caderno" (Pierre von Kleist editions, 2013), diário do cineasta durante a rodagem desse filme, acompanhado por um caderno com nova entrevista a Nuno Crespo e um ensaio de Philippe Azoury. Para estes dois livros chamei aqui a atenção em devido tempo (ver "Uma excelente notícia", 31 de Janeiro de 2013, e "A criação no cinema", 21 de Setembro de 2013).     
       Ainda a Orfeu Negro publicou "Béla Tarr - O Tempo do Depois", de Jacques Rancière, obra importante de um filósofo francês de referência, que a mesma editora tem publicado em português, sobre um cineasta húngaro muito destacado que diz ter-se retirado da prática do cinema para se dedicar o seu ensino.
        Já quase no fecho do ano, com Coordenação de Luis Urbano saiu "Revoluções - Arquitectura e Cinema nos Anos 60/70" que reúne um conjunto de reflexões produzidas no Curso promovido no âmbito do Projecto de Investigação Ruptura Silenciosa, da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, coordenado por Alexandre Alves Costa e Luis Urbano (edição AMDJAC, Porto, 2013). Ocupando-se de uma área sensível, muito importante e pouco explorada entre nós, a das intersecções entre a arquitectura e o cinema, este livro inclui ensaios valiosos e tem o mérito especial de privilegiar o cinema português. No âmbito do mesmo projecto saiu também o nº 1 da revista "JACK - Journal on Architecture and Cinema".
                                    
        A propósito deste livro importante e oportuno quero chamar a atenção para o mais recente documentário de João Mário Grilo, "A Vossa Casa" (2012), sobre o arquitecto Raul Lino (1879-1974). Homenageando o conhecido e influente arquitecto português, o realizador assume nesse filme o risco de tentar filmar as suas obras arquitectónicas de forma nova, no que esboça um passo importante no esclarecimento das relações entre as duas artes. Esse é, por isso, um filme que, acompanhado pelos comentários do próprio cineasta, merece maior divulgação (sobre o documentário anterior de João Mário Grilo, "O Tapete Voador", 2008, ver "Voar sem asas", 18 de Janeiro de 2012).
       O cineasta Edgar Pêra publicou "Hollywood - Estórias de glamour e miséria no império do cinema", que recolhe curiosidades e segredos sobre nomes famosos do cinema, um livro que saiu em A Esfera dos Livros. Pedro Mexia publicou uma recolha de textos sobre cinema, "Cinemateca", que saiu na Tinta da China, em que transparece uma cinefilia apaixonada e muito pessoal. Destaco e aconselho ambos pelas diferentes perspectivas que sobre o cinema proporcionam.       
     Na área da fotografia, é muito bom o livro "Os rostos de Jesus - Uma revelação", com fotografias de Duarte Belo e ensaios de José Tolentino Mendonça e seu (Temas e Debates/Círculo de Leitores, Lisboa, 2013), para que aqui já chamei a atenção (ver "Mais 3 rostos", 29 de Novembro de 2013).
                              
        Também com o ano a acabar, saiu "Ensaios Sobre Fotografia - de Niépce a Krauss", uma antologia de textos fundamentais com Introdução, Selecção e Organização de Alan Trachtenberg e Notas de Amy Meyers, cuja edição original americana data de 1980 e que só agora tem edição portuguesa, mas com actualizações sugeridas pela editora portuguesa (mais uma vez a Orfeu Negro), que se concretizam na inclusão de novos textos e na actualização das Notas. Pelo seu mérito, que se relaciona com a qualidade dos ensaios incluídos, a diversidade de autores e épocas abrangidos, este é para mim o livro mais importante de 2013 na área do cinema e da fotografia.    
       Pelo seu grande e feliz recurso à imagem, termino com uma chamada de atenção para o último livro de Gonçalo M. Tavares, "Atlas do Corpo e da Imaginação - Teoria, Fragmentos e Imagens" (Caminho, Lisboa, 2013), um livro cujas imagens são de "Os Espacialistas", colectivo de artistas plásticos, mas que merece especial atenção pela articulação do discurso visual, paralelo e por vezes comentado, com o discurso escrito de uma forma original, nova e muito interessante - as fotografias são todas a preto e branco.

Uma lista antiga

     Recolho de um ficheiro antigo uma lista de preferências relativa a 2008 que, tendo-me sido pedida, não foi então divulgada e aqui não divulguei ainda. Chamei-lhe quando a elaborei "Filmes memoráveis de 2008" e é a seguinte:
1. O segredo de um cuscuz/La graine et le mulet, de Abdellatif Kechiche (2007);
2. Este País Não É Para Velhos/No Contry for Old Men, de Joel e Ethan Coen (2007);
3. Haverá Sangue/There Will Be Blood, de Paul Thomas Anderson (2007);
4. A Fronteira do Amanhecer/La frontière de l'aube, de Philippe Garrel (2008);
5. Nós Controlamos a Noite/We Own the Night, de James Gray (2007);
6. Quatro Noites com Anna/Cztery noce z Anna, de Jerzy Skolimowski (2008);
7. Gomorra, de Matteo Garrone (2008);
8. A Turma/Entre les murs, de Laurent Cantet (2008);
9. Os Amores de Astrea e Celadon/Les amours d'Astrée et de Céladon, de Eric Rohmer (2007);
10. Alexandra/Aleksandra, de Alexandr Sokurov (2007).  
                     
         Encontrei-a sem comentários, que agora também não faço.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Uma boa surpresa

      Foi preciso esperar pelo final do ano para aparecerem os melhores filmes. É especialmente o caso do último de Joel e Ethan Coen, "A Propósito de Llewyn Davis"/"Inside Llewyn Davis" (2013), um filme surpreendente em que os dois irmãos regressam ao seu melhor.
     Digo surpreendente porque, a meu ver, nada a não ser o tom faria prever este filme na obra deles, assinalada por filmes notáveis que vão contra uma corrente de geral conformismo prevalecente no cinema americano. Mais uma vez o caso ficcional deles apresenta-se neste filme com um loser, Llewyn Davis/Oscar Isaac, que no início dos anos 60, entre New York e Chicago, tenta impor a sua música folk a solo em Greenwich Village. 
                     irmãos coen inside llewyn davis
         Funcionando no seu tom depressivo como um anúncio da chegada da geração Bob Dylan, este último filme dos Coen tem ironia, elegância, desencanto na abordagem da sua personagem, tornada um épico melancólico e sombrio do quotidiano cinza-negro num filme que se desenvolve em perda e se resolve contra sentimentos exaltantes. Nada mais real do que a vida real quando abordada como um sonho, um  pesadelo, filmada de perto e de longe de modo a dar a proximidade, o quadro e a distância justa.
       Equacionadas as coisas nestes termos, "A Propósito de Llewyn Davis" surpreende pela perfeição formal com que aborda uma personagem secundária, aparentementemente sem futuro, construindo-se sobre ela e a partir dela como um tipo de musical que raramente aparece no cinema americano: o que está dissociado da Broadway. De peripécias da sua vida privada, com surpresas, em actuações espontâneas, geralmente rejeitadas, com uma atribulada viagem de automóvel pelo caminho, Llewyn é uma imagem terrena e humana de um mundo em mudança que, com critérios do passado, escolhe aqueles que vai acolher e lançar.   
                    
       Partindo da vida, das músicas e canções de Dave Van Ronk (1936-2002), que publicou um album intitulado "Inside Dave Van Ronk", e servindo-se de novas composições de T-Bone Burnett (que já trabalhara com eles em "Irmão, Onde Estás?"/"Oh Brother, Where Art Thou?", 2000) e Marcus Mumford, os Coen coreografam a época e o meio, centrado em Greenwich Village, como se fosse um verdadeiro musical, imprimindo ao filme uma dinâmica repetitiva e circular (de percurso, de personagens, de situações) em que para o protagonista, como num sonho, não há saídas e o aparente despertar se dá mesmo, em repetição, num beco: sovado e sem saída. Com fotografia assombrosa de Bruno Delbonnel, que anteriormente trabalhou com Alexander Sokurov ("Fausto/"Faust", 2011) e Tim Burton ("Sombras da Escuridão"/"Dark Shadows", 2012), e montagem dos próprios cineastas, este é um dos melhores filmes dos Coen, sem qualquer concessão ao gosto fácil ou ao espectáculo: o espectáculo é o próprio filme.
     Irrepreensível como filme de época, "A Propósito de Llewyn Davis" tem actores justos e precisos em papéis todos eles secundários, pois o próprio filme é sobre gente secundária num meio secundário, então em transformação. Sem precisarem de outras referências que a própria América, especialmente as referências musicais e mesmo cinematográficas, sem contemporizar os irmãos Coen continuam a olhar para ela impiedosamente mas com a compreensão e o imenso carinho que os americanos lhe dedicam.  
                     Inside Llewyn Davis
         Construindo o seu fascínio sobre o seu mistério baseado em vidas comuns, banais, este é um filme mais que perfeito, feito para nos surpreender com boas razões e que por elas nos fascina e prende. E Oscar Isaac é uma bela surpresa, ele também, como actor e como cantor.

        Chamem-lhe "revivalismo" ou o que quiserem, mas pelos filmes de Joel e Ethan Coen, cuja obra é um notável work in progress, por vezes cruel e corrosivo, nos últimos 30 anos, passa uma parte muito importante do melhor do cinema actual, pelo que o Grande Prémio do Festival de Cannes deste ano sabe a pouco (sobre os Coen ver "Encontro fatal", 20 de Janeiro de 2012, e "À maneira antiga", 4 de Março de 2012).

Um bom remake

    Devo dizer que fiquei apreensivo com o anúncio do remake do filme coreano "Oldboy - Velho amigo"/"Oldeuboi", de Chan-Wook Park (2003), pelo cineasta americano Spike Lee: "Oldboy: Velho Amigo"/"Oldboy" (2013). E fiquei apreensivo justamente por admirar os seus filmes anteriores. Uma vez visto o filme a minha apreensão motrou-se injustificada, porque ele consegue fazer sobre o original um filme americano que é também um filme seguro e pessoal.
                     <i>Oldboy</i>
     Com actores no seu melhor, com natural destaque para Josh Brolin (que, não sendo uma escolha óbvia, se revela uma boa escolha) e Elizabeth Olsen, o filme consegue construir de novo o seu mistério, mesmo para quem conheça o filme original, relativamente ao qual o cineasta guarda a sua distância do mesmo passo que o homenageia. Agarrando bem a inspiração na manga de Garon Tsuchiya e Nobuaki Minegishi, com base em argumento de Mark Protosevich o cineasta consegue fazer seu aquele material de base, sem lhe retirar o rebuscado mistério e acrescentado-lhe uma estética original.
       Pessoalmente, prefiro o filme original, mas percebo o sentido que faz a sua transposição para o cinema americano e para um meio americano. Dito isto, devo também acrescentar que considero sintoma preocupante de falta de ideias próprias o frequente recurso do cinema americano a remakes de filmes estrangeiros. Por muito conseguido que o novo filme seja, é revelador de falta de ideias originais, embora possa manifestar boas influências, como é o caso deste filme e anteriormente fora o de "The Departed - Entre Inimigos"/"The Departed", de Martin Scorsese (2006).
                     Elizabeth Olsen Oldboy Remake Oldboy Review
      Conservando o lado de artifício das cenas de acção, trabalhando bem a imagem - em conjugação com o tempo na parte final - e sobretudo preservando o mistério lancinante da narrativa, Spike Lee mostra-se inteiramente à altura do projecto a que meteu ombros, fazendo uma leitura pessoal e produtiva do filme original. Desejo-lhe que regresse rapidamente ao melhor da sua inspiração como cineasta de vulto, de que este "Oldboy: Velho Amigo", de que esperamos o Director's cut, mesmo na sua versão curta não desmerece.

Fácil

       Tenho apreço pelo cineasta Abdellatif Kechiche, de que já aqui dei conta (ver "Uma mulher", 26 de Janeiro de 2013), pelo que encarei com confiança o seu último filme, "A Vida de Adèle"/"La vie d'Adèle" (2013), tanto mais quanto recebeu este ano a Palma de Ouro no Festival de Cannes e acaba de receber o prestigiado prémio Louis Delluc. Com este ponto de partida, devo começar por dizer que o filme fica aquém das minhas expectativas.  
                    
         Perante uma banal história de amor, a de Adèle/Adèle Exarchopoulos, que acaba por motivo de ciúmes da parte de Emma/Léa Seydoux, a sua namorada, o cineasta, apesar de algumas referências pertinentes, guarda um ponto de vista e uma distância que lhe permitem filmá-las como simples voyeur e remete o desenvolvimento narrativo para o simples registo melodramático.
       Como bom cineasta, Kechiche devia saber que aqui há uma parte que ganha em ser mais sugerida e não tornada mero chamariz - embora o centro do filme esteja bem localizado de modo a desdobrar-se no jantar festivo que decorre no jardim, enquanto ao fundo passa um filme mudo. Mesmo as duas actrizes, que estão muito bem, mostram representar para a câmara nas cenas de intimidade entre Adèle e Emma, em que colocam brio e aplicação, como seria de esperar, e que, como tal, resultam bem.
                    
           As referências aos estudos e à formação de Adèle diluem-se, tornadas inconsequentes, e a vida que corre pelas duas jovens amantes abandona o seu lado de iniciação passando ao mero cumprimento de rotinas no desfazer de uma ligação. Ficando-se por referências superficiais e óbvias, sem qualquer outro elemento narrativo relevante, "A Vida de Adèle" perde o efeito que poderia ambicionar ter por absoluta falta da subtileza que, nas circunstâncias, era de rigor.
       Jogando no óbvio e no chamariz com duas boas actrizes que, compreensivelmente, se resguardam (o que, paradoxalmente, em vez de prejudicar, beneficia), o realizador perde em termos de cinema o que ganha em fama de "cineasta audacioso", o que terá impressionado aqueles que premiaram o filme. É sempre desagradável a decepção provocada por um filme de um cineasta que apreciamos, mas devo dizer que é o que me acontece com este último trabalho de Kechiche, que nem outros valores técnicos ou estilísticos resgatam.
                     Estreias da Semana «A Vida de Adèle: Capítulos 1 e 2»
        Com argumento, adaptação e diálogos do cineasta e Ghalia Lacroix, baseado numa banda-desenhada que não conheço, "Le blue est une couleur chaude", de Julie Maroh, "A Vida de Adèle" de Abdellatif Kechiche é um filme sulforoso e entediante que, depois das promessas dos seus filmes anteriores, fica aquém do que se poderia esperar. No seu melhor faz-me lembrar "Aos Nossos Amores"/"À nos amours", de Maurice Pialat (1983), e essa será, talvez, a melhor maneira de o abordar. Mas, aparentando ser um passo em frente do lado do seu tema, fica indubitavelmente a perder em confronto com "Mulholland Drive", de David Lynch (2001), que aí seria a referência mais óbvia.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Um actor, um filme

     Com poucos dias de intervalo de Nelson Mandela (1918-2013) morreu o actor irlandês Peter O'Toole (1932-2013), um grande actor de teatro e de cinema que, educado em Inglaterra, ficou singularmente marcado pela personagem de T. E Lawrence que interpretou em "Lawrence da Arábia"/"Lawrence of Arabia", de David Lean (1962). Foi um grande actor mas a sua figura ficou emblematicamente ligada a este filme, que marcou uma época e o apogeu da arte do seu realizador.                   
      Poderia pensar noutros actores que ficaram associados a um determinado papel, mas o caso dele é especialmente notável porque a notoriedade que com esse filme alcançou, num papel com grande significado histórico, não a voltou a alcançar.com nenhum outro. O seu foi, pois, o caso de um filme feliz, mítico, e de uma grande interpretação que desde cedo definiram o seu lugar na história do cinema.
                    Lawrence of Arabia 18800
    Pode considerar-se que David Lean fez filmes melhores, mas foi de facto nesse que ele alcançou um enlace único entre a história do seu país e o cinema, centrando-se numa personagem ímpar e filmando o deserto e no deserto como talvez mais ninguém tenha feito. Em todo o caso, se há filmes cuja fama excede o seu realizador "Lawrence da Arábia" é um caso paradigmático, muito por causa dos actores, Peter O'Toole e Omar Sharif, mas também Alec Guiness e Anthony Quinn. E não tenho dúvida de que há actores mais famosos do que os cineastas com que trabalham, por muito destacados que eles sejam.  
       Houve outros actores britânicos mais importantes do que ele no Século XX? Sem dúvida. Mas o jovem O'Toole, cuja carreira no cinema viria a ser notável - logo em 1965 a interpretação do protagonista de "Lord Jim", de Richard Brooks, baseado na novela de Joseph Conrad, "Como Roubar Um Milhão"/"How to Steel a Million", de William Wyler (1966), em que contracenou com Audrey Hepburn, e "O Leão no Inverno"/"The Lion in Winter", de Anthony Harvey (1967), em que como Henrique II contracenou com Katharine Hepburn -, marcou em "Lawrence da Arábia" uma época e mais do que uma geração na história do cinema. Também por isso, sobretudo por isso, aqui o recordo e lhe presto a minha respeitosa homenagem.

Sobre os mortos

    Nascido na Malásia mas tendo feito a sua formação em Taiwan, onde tem trabalhado, Tsai Ming-Liang é um cineasta com provas dadas em filmes muito bons que captam de modo original o espírito do cinema e a sua memória. Tendo já feito um filme com referência a Paris e ao seu lugar no seu imaginário cinéfilo, "Et là-bas, quelle heure est-il?"/"Ni neibian jidian" (2001), à semelhança de outros afoitou-se a fazer o seu filme parisience, "Face"/"Visage" (2009), que é a sua penúltima longa-metragem.
    Os filmes franceses ou com influência francesa de cineastas do Extremo Oriente interessam por serem reveladores de uma influência, de uma marca da história do cinema, que manifesta consciência do meio que utilizam e de si próprios. No caso de Tsai Ming-Liang, a referência forte é François Truffaut, portanto uma referência maior. Sem isso, "Face" poderia passar por uma simples brincadeira cinéfila, mas com Truffaut em fotografia, em imagens de filmes, em actores (Jean-Pierre Léaud, Fanny Ardent, Jeanne Moreau) as coisas assumem um carácter mais sério.
                     Visage : Photo Fanny Ardant, Tsai Ming-liang
    Efectivamente, sob uma aparência minimalista este filme constitui-se como uma homenagem cinéfila feita de modo sentido, na procura de uma origem, de uma relação para o próprio cineasta, que assim procura definir-se e definir o seu lugar num quadro mais alargado. Há alguma coisa de formalista na démarche de Tsai, mas a presença dos actores de Truffaut e as imagens de "Os quatrocentos Golpes"/"Les quatre cents coups" (1959), inteligentemente utilizadas, além da lista de grandes nomes da história do cinema mundial debitada em diálogo, remetem, mais do que para uma filiação, para a procura uma legitimação cinematográfica, o que se compreende.
     Assim, Paris assume neste filme uma função de cenário fúnebre, em que o cemitério, o museu e a memória avultam, num contexto de jogos de espelhos em que a imagem devolvida por eles é reconhecível, surge de onde não se espera ou então procura-se anulá-la. Com a exacerbação do plano longo, fixo, há também como que uma homenagem cinéfila, que é também reiteração estética, que extravasa as figuras humanas para atingir uma actualidade esteticamente pregnante. Alguma coisa me faz pensar em "O Quarto Verde"/"La chambre verte" (1978), a obra-prima de Truffaut, como na construção de um pessoal "museu imaginário". 
                    
      De resto, "Face" tem lassidão, falta de acção (está em causa a rodagem de um filme dentro do filme), bonitas e sugestivas imagens, diálogos precisos, como é hábito em Tsai Ming-Liang, e permite rever actores conhecidos mesmo se em pequenos papéis: Nathalie Baye, Mathieu Amalric, Laetitia Casta. Foi para mim especialmente interessante ver Jean-Pierre Léaud disforme e inexpressivo, por isso mesmo transparente, e verificar que o cineasta se mantém fiel a uma temática e a uma estética minimalista muito pessoal. Como jogo de espelhos cinéfilo estamos entendidos: os vivos são um pobre reflexo dos mortos. 
       A última longa-metragem de Tsai Ming Liang, "Stray Dogs"/"Jiao you" (2013), ganhou o Grande Prémio do Júri no Festival de Veneza deste ano e acaba de ganhar o Golden Horse, o mais prestigiado prémio chinês de cinema, para o melhor realizador. O que significa que a vida e a obra do cineasta continua da melhor maneira. Esperemos pelo filme.

domingo, 15 de dezembro de 2013

O devir-violento

    O mais recente filme de Jia Zhang-ke a estrear em Portugal, "China - Um Toque de Pecado"/"Tian zhu ding" (2012), é mais uma obra extraordinária do grande cineasta chinês da actualidade. Extraordinária e inesperada, pois aqui ele enfrenta a violência no seu país.
       Em quatro episódios diferentes, diferentes personagens assistem ao advir da violência em si próprias, cada uma pelas suas próprias e pessoais razões, que somos convidados a compreender - mais uma vez, com o cineasta o convite é para compreendermos o que nos apresenta, por mais estranho, insólito que possa parecer. O percurso de Jia Zhang-ke continua a revelar-se exemplar na escolha dos aspectos mais sensíveis, mais difíceis de abordar da sua sociedade, que são aqueles que manifestamente mais o atraem, o interessam.
                      Imagem do filme 'Um Toque de Pecado'
         Naquele homem revoltado com a vulnerabilidade do poder que o rodeia, no jovem que convive mal com a sua própria família, na mulher que se surpreende vítima dos que a rodeiam depois da morte do homem que ama, no jovem que não encontra outra saída que no salto no vazio reencontramos a sociedade chinesa mas também as sociedades em que vivemos, e reconhecemo-nos na sua comum humanidade. Não se trata para Jia de julgar as suas personagens nem de convidar-nos a julgá-las, mas de mostrar vidas difíceis mas banais em toda a sua crueza.
         Tendo já tratado aqui de filmes do cineasta chinês (ver"Contra o esquecimento", 29 de Janeiro de 2012), não devo esconder o grande apreço em que tenho a sua obra, intransigente e de uma grande coerência ética e estética, o que o torna um dos grandes cineastas da actualidade a nível mundial. Em "China - Um toque de pecado" ele persegue e prossegue o melhor da sua inpiração fílmica, como quem persegue o desvendar de um sonho que está na própria realidade.    
                     um toque de pecado
         Mais móvel e livre, sem esquecer as temáticas (os "pobres diabos" entregues a si próprios) e as figuras de estilo (o plano longo com profundidade de campo, o teatro, os ecrãs) que o notabilizaram mas sem se deixar entravar por elas, Jia Zhang-ke não esconde a simpatia que sente pelas suas personagens, eivada de compreensão e compaixão, que o final sintetiza. Com actores sempre admiráveis, com destaque para Wu Jiang como Dahai e e Tao Zhao como Xiao Yu, o cineasta volta a encontrar o director de fotografia Yu Lik Wai e o compositor Lim Giong, com os quais, manifestamente, continua a dar-se muito bem para encontrar o seu tom pessoal, em que a continuidade do plano é comum e a música usada com parcimónia.
        Mas é de novo no encontrar o universal no local que reside a grandeza deste novo filme do cineasta chinês. Ao perseguir o devir-violento da impotência no primeiro episódio, a violência que resulta da desorientação no segundo, a que se mostra como a solução na falta de outras nos dois últimos ele toca os pontos sensíveis onde eles são gerais.
                      Imagem do filme 'Um Toque de Pecado'
       Claro que o filme também trata da corrupção na China, em especial no seu primeiro episódio, e talvez por isso se torne mais notado, mas mesmo aí trata-se de uma situação local bem observada mas de ressonância universal nos nossos dias.
       Pois é assim mesmo: entre Jia Zhang-ke, Abbas Kiarostami e alguns (poucos) outros se joga o melhor do cinema actual - estou lamentavelmente sem notícias do japonês Takeshi Kitano, cujo Office Kitano se encontra, contudo, por trás dos últimos filmes deles. O resto, salvaguardados eventuais novos cinemas novos, limita-se de modo geral a alimentar a competição, a publicidade e a conversa, a manter a tradição e tentar salvar o prestígio de uma arte que já conheceu melhores dias.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Grandes actores

      Fui ver "Last Vegas - Despedida de Arromba"/"Last Vegas", de John Turtelbaub (2013), por ser uma comédia e por causa dos actores: Robert De Niro, Michael Douglas, Morgan Freeman e Kevin Kline. Não fiquei desiludido, embora considere que a grande época da screwball comedy e dos grandes actores e cineastas americanos do género (Frank Tashlin, Jerry Lewis, Blake Edwards, Peter Falk) não tem neste momento continuadores à sua altura. 
                     Last Vegas Trailer Screengrab - H 2013
     O tom ligeiro mas sentimental do filme fica-lhe bem e é bem defendido pelos actores - além dos mencionados "cabeças de cartaz", Mary Steenburgen. Amigos de infância, Paddy/De Niro, Archie/Freeman e Sam/Kline embarcam num fim de semana em Las Vegas para a despedida do único solteiro do grupo, Billy/Douglas, com o qual o primeiro está muito zangado. Metem-se pelo meio incidentes de percurso, como Diana/Steenburger, uma história passada entre Paddy e Billy revela-se em episódios antigos e recentes com consequências no presente e tudo acaba por se esclarecer, dadas as circunstâncias da melhor maneira.
      O que "Last Vegas - Despedida de Arromba" me fez lembrar foi "Maridos"/"Husbands, de John Cassavetes (1970), bem melhor do que este, mas Cassavetes impunha, como actor e sobretudo como realizador, a originalidade, a frescura e a grande qualidade em tudo o que fazia. Mesmo assim, com actores todos eles notáveis John Turtelbaub faz um bom trabalho, aproveitando-se bem do lugar que Las Vegas ocupa no imaginário americano. 
                     last-vegas.jpg
       Demasiado bem comportado apesar de tudo, este é um filme que faz lembrar outras épocas e outros filmes (Cary Grant e Katharine Hepburn nas comédias de Howard Hawks, Jack Lemmon e Shirley MacLaine nas de Billy Wilder), assumindo com brio um género hoje em dia maioritariamente entregue a patetices adolescentes. Com momentos bem achados e bem resolvidos em termos de cinema e de interpretações, incluindo o final, "Last Vegas - Despedida de Arromba" pelo menos não envergonha.
      Jogando inteligentemente com a memória e com o mito, este é um filme que, com grandes actores (sempre indispensáveis na comédia) utilizando a sua própria imagem no cinema, recupera um género contrariamente ao que se possa pensar muito difícil e com uma larga e importante tradição no cinema americano. John Turtelbaub mostra estar aqui no bom caminho.

O ardil do caçador

      O que despertou a minha atenção para "Diário Secreto de um Caçador de Vampiros"/"Abraham Lincoln: Vampire Hunter", de Timur Bekmambetov (2012), foi o aparecimento do nome de Tim Burton na produção. Uma vez o filme visto, entende-se bem que aquele, embora não seja o típico Tim Burton film, tem muitas marcas que o ligam ao seu imaginário visual.
             A ideia de agarrar no famoso Presidente americano do tempo da Guerra Civil para, a partir da sua infância, fazer dele um caçador de vampiros é original e está bem desenvolvida ao acompanhá-lo ao longo da sua vida, antes e depois de se ter tornado o 16º Presidente do seu país. A parte visual do filme está muito bem construída e desenvolvida, com vampiros bem caracterizados e a apropriada inclusão de momentos de animação sobre a história da humanidade.Abraham Lincoln: Vampire Hunter
           Recapitulando a história e a lenda até Gettysburg e à fatídica partida para o teatro naquele fim de tarde de Abril de 1865, "Diário Secreto de um Caçador de Vampiros" aguenta-se do ponto de vista histórico o suficiente para sobre ele ser construído como filme de vampiros, vampiros esses que acabam por se aliar aos confederados. Com momentos de acção (os ataques dos vampiros) e momentos dramáticos (o final, com a caminhada de comboio para a frente) muito bem resolvidos, o filme consegue ser inovador e original onde menos se esperaria.
         O Tim Burton touch, embora presente não se torna impositivo, deixando margem criativa para o realizador que a sabe aproveitar. Com actores sóbrios e seguros, nomeadamente Benjamin Walker como Abe Lincoln, Dominic Cooper como Henry Sturges (pleno de ambiguidade), Anthony Mackee como Will Johnson (o fiel amigo de infância), Mary Elizabeth Winstead como Mary Todd Lincoln, Rufus Sewell como Adam (o vampiro-chefe), Erin Wasson como Vandoma, sem ofender a história, antes respeitando-a até onde pode, este filme joga com a lenda de maneira desinibida e feliz. Como é absolutamente necessário num filme de vampiros, os vampiros estão muito bem caracterizados e interpretados.        Claro que, nas condições actuais, "Diário de um Caçador de Vampiros" joga com a "construção do inimigo", o que se compreende. Mas, típico filme de vampiros, joga também com a ambiguidade de Henry, o mentor de Abe, e com a astúcia do caçador. O final vem confirmá-lo, num jogo também ele astuto com o espectador. E o filme anterior para que este remete é "A Grande Esperança"/"Young Mr. Lincoln", de John Ford (1939).  
             A este nível, o do divertimento inteligente, o cinema americano continua a ser muito bom.