O mais recente filme de Clint Eastwood, "Sniper Americano"/"American Sniper" (2014), não é um filme indiferente numa obra que estava relativamente estacionária desde "A Troca"/" Changeling" e "Gran Torino" (2008). Ligando-se com "O Sargento de Ferro"/"Heartbreak Ridge" (1986) e com o díptico sobre a II Guerra Mundial composto por "Flags of Our Fathers - As Bandeiras dos Nossos Pais"/"Flags of Our Fathers" e "Cartas de Iwo Jima"/"Letters from Iwo Jima" (2006), é porém um filme novo sobre uma nova guerra americana, a do Iraque que, como as anteriores, tem suscitado vasta atenção do cinema.
Dedicando-se a contar a história de Chris Kyle/Bradley Cooper, apenas mais um soldado americano que se destaca devido aos seus especiais dotes como atirador de alta precisão, "Sniper Americano" acompanha o seu protagonista durante as suas quatro comissões no Iraque, com breves mas significativas passagens pela sua própria terra e família. Este um dispositivo formal clássico, sem inventiva especial mas que é levado ao seu justo termo pelo cineasta por duas razões.
Em primeiro lugar porque acompanha o atirador de elite que Chris Kyle, uma personagem real, foi até ao ponto em que ele é invadido por um compreensível sentimento de fúria, quando tem na mira telescópica da sua arma o homem que matou um seu companheiro e amigo. Tratada sem grande ênfase, esta questão sobressai aí depois dos seus momentos de dúvida e indecisão, como o que acompanha o início do filme, depois dos seus envolvimentos múltiplos em missões diversificadas em que se manifesta o seu apego a uma causa e o seu ódio ao inimigo. Em tom justo, sem excessos formais ou de interpretação.
Em segundo lugar porque acompanha o dito sniper até ao seu regresso final a casa, quando o seu auto-domínio já decaiu, e ao fatídico dia 2 de Fevereiro de 2013 em que ele foi morto por um outro veterano que tentava ajudar, o que não é mostrado mas explicado em palavras escritas.
Com argumento de Jason Hall baseado em livro de Chris Kyle, Scott McEwen e Jim DeFelici, o cineasta tem o mérito de, de forma seca, ir até ao fim daquela história, com os acontecimentos seguintes à morte do sniper dados em imagens documentais sobre o genérico de fim. Ora é também por não ceder nesse final que Clint Eastwood está à altura do seu melhor.
Sobre uma lenda americana, é certo, "Sniper Americano" é também um filme feito para a América, sobre a qual renova um olhar pessimista que vem de filmes anteriores, de praticamente toda a sua obra, em que filme a filme tem interrogado o seu país, o seu povo, os seus valores. Que uma lenda viva da guerra, texano e membro dos SEAL, equiparável ao "Sargento York"/"Sergeant York", de Howard Hawks (1941), tenha um fim diferente do deste põe imediatamente todos os americanos (e todos nós) a pensar no que mudou desde então, em perto de 100 anos, no país.
Se quiserem chamem crítico ao que eu chamo pessimista, mas diga-se o que se disser Clint Eastwood é um grande cineasta americano que não anda propriamente a dormir sobre os louros adquiridos, mesmo e especialmente neste filme patriótico. Consciência da culpa? Também, mas sobretudo, e correlativamente, consciência da inocência. E é mesmo por isso que este é mais um dos grandes filmes de um cineasta lendário, de quem recuso seja o testamento (sobre Clint Eastwood ver "Sabedoria", de 11 de Fevereiro de 2012, "Controverso", de 17 de Março de 2013, e "Domínio absoluto", de 29 de Setembro de 2014).