“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

quarta-feira, 30 de março de 2016

Identidade e memória

    O terceiro episódio, ou melhor, a primeira parte do terceiro episódio da saga "Divergente", intitulado "Convergente - Parte 1"/"Allegiant" (2016), de Robert Schwentke que já tinha dirigido o anterior "Insurgente"/"Insurgent" (2015), é mais um filme feliz dirigido, como toda a saga, sobretudo a adolescentes.
                    allegiant-new-trailer-shailene-woodley
    Como o anterior, este "Covergente - Parte 1" levanta a questão da memória, agora não da protagonista, Tris/Shailene Woodley, mas de toda uma população suburbana que se quer transformar à semelhança dela, pura Divergente. Quem o quer fazer é o super-vilão David/Jeff Daniels, que com cumplicidades diversas, entre as quais a de Evelyn/Naomi Watts, para já construiu um muro altíssimo electrificado para "proteger" o seu domínio.
    Tudo justo, actual e muito bem explicado, de modo a levar Four/Theo James a desconfiar de tanta generosidade altruista quando verifica que há coisas que ali não batem certo e a partir daí a tentar resgatar Tris que tinha caído na cilada. E ele percebe quando sabe que pretendem retirar a memória à população violentamente raptada, os mais novos (depois de lhes matarem os pais), o que significa retirar-lhes a identidade.
                    
     De novo à volta de Chicago, este "Convergente - Parte 1" continua a mostrar grande mestria narrativa e grande acerto formal, baseado sobretudo na criação digital, podendo ser de grande utilidade para todos, e não apenas para os mais novos, em tempos propícios à confusão política nos Estados Unidos da América.
     O conflito de Four com a mãe prossegue, a relação entre Tris e Four tornou-se um tanto funcional (o que se compreende) e Jeff Daniels está excelente como super-bilonário, paternal e tranquilizador, de ficção científica e tudo. Não, neste caso não basta dizer que "daqui não vem mal ao mundo", pois deve-se dizer que "daqui vem o bem preciso e necessário com toda a clareza" (sobre esta saga ver "O início da saga", de 31 de Agosto de 2015, e "A continuação da saga", de 24 de Janeiro de 2016).

sábado, 26 de março de 2016

Vamos ao museu

     Estreado em Portugal ao mesmo tempo que "National Gallery", de Fred Wiseman (ver "Sobre arte", de 31 de Maio de 2015), e recebido em igualdade com ele, como era proposto, "O Grande Museu"/"Das grosse Museum"/"The Great Museum", do austríaco Johannes Holzhausen (2014), é um documentário bem diferente dele.
                  The Great Museum                       
     De facto, onde Wiseman com a sua sabedoria e a sua arte do documentário encenava o museu que visitava e encenava a própria arte, Holzhausen limita-se, e bem, ao próprio museu, o Kunsthistorisches Museum de Viena, remetendo em especial para a sua história, que se confunde com a dos Habsburg, e para o trabalho muito valioso que ali é feito na actualidade para preservar e recuperar nas melhores condições as peças do seu rico património.
     Com grande atenção aos vastos espaços interiores mas também ao exterior majestoso do museu, numa ligação conseguida com a arquitectura, "O Grande Museu" dedica especial atenção à preparação minuciosa de uma exposição de Escultura e Artes Decorativas, mostrando com detalhe todas as suas implicações, da simples colocação de cada peça e de cada grupo de peças no espaço museal  à preparação física de cada uma delas, sem se esquecer de nos trazer os problemas de gestão e de curadoria que ali se levantam.   
                  
    Embora se acompanhe com facilidade devido à sua boa construção, ressaltam no filme a licitação de peças em leilão, durante o qual acompanhamos um casal de compradores, e dois travellings  de acompanhamento para a frente na última meia hora, um que acompanha uma funcionária através de várias salas, o outro que acompanha um funcionário através de longos corredores.
    Só nos minutos finais de "O Grande Museu", filme mais institucional, temos uma mostra sumária das peças do Kunsthistorisches Museum, que valiosa embora talvez merecesse uma maior atenção e um maior desenvolvimento. Ficamos, em todo o caso, a conhecer a preparação de uma exposição e o trabalho diário de um grande museu, pelo qual não damos quando o visitamos, e por seu intermédio o próprio museu, o que é sem dúvida meritório.

quinta-feira, 24 de março de 2016

A mulher de preto

    É uma bela surpresa "A Assassina"/"Nie yin niang", o mais recente filme de Hou Hsiao-Hsien (2015), o justamente famoso cineasta do já antigo cinema novo de Taiwan. E é uma bela surpresa por dois motivos.          
    Primeiro por ter o seu início a preto e branco, o que confere um tom muito próprio e evocativo ao importante prólogo. Segundo por se desenrolar numa época histórica, o século VII chineês, com características exteriores, sociais e políticas, que o filme respeita e aproveita de forma sólida e feliz com recurso ao melhor da estilística visual do cinema.
                    The Assassin
    Hou Hsiao-Hsien é um grande estilista do cinema, que aqui desenvolve um estilo original e pessoal para, mantendo-a a maior parte do tempo fora de campo, relatar a história de uma mulher de preto, Nie Yinniang/Qi Shu, que é tornada uma assassina mas não perde a sua mente, que não a liberta do pensamento humano.   
    O segredo estará na metade das peças de jade que ela partilha com aquele com o qual foi educada e do qual foi separada, Tian Ji'an/Chen Chang, que ela ajuda e ameaça, ameaça mas ajuda sem, como noutros casos, perder a consciência humana, chamando-o às suas responsabilidades conjugais e livrando-o de ataques sérios, em que o protege e defende com as suas capacidades físicas de combate e a sua destreza.
                     The Assassin
     Com uma fotografia excelente do habitual Lee Ping-bin, que se excede nos desfocados a partir de uma cortina e em todos os interiores e exteriores, em que usa todas as cores em todas as suas gamas para contrastar o preto e branco de mestra e discípula - em especial nos interiores, mais ricos e exuberantemente contrastados -, e uma música muito bem utilizada entre percussão, cordas e sopro de Giong Lim, a direcção artística de Weng Ding-Yang e o guarda-roupa de Huang Wen-Ying, "A Assassina" devolve-nos o cinema de Hou-Hsiao-hsien ao seu melhor nível de composição e de clareza na dobra do ambíguo, da ambiguidade saudável da protagonista, que como boa discípula excede e contraria os ensinamentos de quem a instruiu (sobre o cineasta, ver "Tempo de cinema", de 20 de Janeiro de 2012.)

domingo, 20 de março de 2016

Partir

    Passou na passada semana no Arte o filme argentino "La troisième rive"/,"La tercera orilla", de Celina Murga (2014). Com argumento dela própria e Gabriel Medina, conta com a produção de Martin Scorsese, de quem Celina tinha sido assistente em "Shutter Island" (2010).
                      La Tercera Orilla : Foto
      Trata-se de um filme muito bom e interessante pois, tal como o novo cinema novo argentino (Lucrecia Martel, Lisandro Alonso) trabalha os códigos do melodrama, em que o cinema latino-americano se notabilizou no passado, contra o próprio melodrama.
      Desde o início que se espera um acontecimento melodramático na família do protagonista, Nicolás/Alian Devetac, do estilo de uma morte, uma doença, um outro acontecimento dramático, mas na sua pessoa e na relação com a sua família ele é continuadamente um tipo normal, silencioso, pouco comunicativo mas que cumpre com o que lhe é pedido.
                    
    É certo que não reage aos estímulos normais da sua idade, que se interessa por coisas só dele e dos amigos, que há de passagem uma mulher com um filho pequeno que ele apenas avista de longe e com a qual não chega a falar. Ensimesmado, ele prossegue.
    Sem se explicar definidamente no percurso, este "La toisième rive" prepara muito bem o seu final como contra empolgante, contra epílogo dramático, apenas como consequência natural do que antecede. Sem espectáculo e contra o melodrama. Celina Murga é mais um nome a seguir no actual cinema argentino. 

terça-feira, 15 de março de 2016

Monstro Sagrado

     Foi de novo numa livraria que recebi a notícia fresca da morte do Nicolau Breyner (1940-2016). À saída da livraria, na rua movimentada e ruidosa que desci tinha-se feito o silêncio. Passei da negação à incredulidade, até que um ecrã de televisão me convenceu.
    Ele foi excelente em todas as áreas que frequentou, teatro, cinema, televisão, um homem verdadeiramente transversal que em tudo o que fez colocou o melhor de si próprio e de nós próprios.
     Aqui preciso de me explicar. No actor prodigioso que ele foi, a maioria guardará o rosto, o sorriso que lhe iluminava os olhos. Eu guardo o corpo que ele dava às personagens que interpretava, que filmado de qualquer ângulo, em qualquer escala, rosto incluído lhes conferia uma humanidade eminentemente reconhecível: da personagem e sua. Assim ele enriqueceu e iluminou tudo aquilo que fez, em que participou.
                    
     Como muito poucos - Vasco Santana, Amália - aliou em Portugal a excelência com a popularidade: toda a gente o conhecia e admirava. Além do que foi, dizem os que o conheceram de perto, um ser humano de excepção, de uma simplicidade e de uma bondade hoje em dia raras, por isso mesmo tanto mais estimáveis
       A morte ataca sempre onde mais nos dói. Que tenha morrido durante o sono foi um bem que ele mereceu. Todos nos sentimos amputados e empobrecidos com a sua partida, Nicolau Breyner. Aqui ficam os meus muito profundos sentimentos para o cineasta que melhor o compreendeu e aproveitou em vários filmes, e que inclusivamente antecipou a sua morte: um abraço, António Pedro Vasconcelos (ver "Lugar incomum, de 6 de Junho de 2015).
     Não esqueçam o Nico, em especial nesta sua e nossa hora. E passem a palavra para o futuro. 

domingo, 13 de março de 2016

Entre o sol e a morte

    O mais recente e mal amado filme de Terrence Malick, "Cavaleiro de Copas"/"Knight of Cups" (2015), com um argumentista, Rick/Christian Bale, em deriva interior e exterior,  é o seu muito evidente "Oito e Meio"/"Otto e mezzo", a que ele no seu nível tem pleno direito e de que sai muito bem.
    Digo isto logo no início para que se perceba que este é um filme sobre o cinema e sobre quem o faz, um filme sério e inventivo que coloca o seu protagonista perante a angústia de ter de fazer - escrever para mais um filme no meio do cinemapor definição, Hollywood. 
                      Knight Of Cups
    Com uma polifonia de vozes que vem dos seus filmes anteriores, "Cavaleiro de Copas" singulariza-se pelas transições entre diálogos e monólogos interiores a partir do protagonista e convergindo para ele segundo uma estrutura de tarot. Ora como isso se insere numa construção visual e auditiva - uma mistura audiovisual - muito boa, em que os sons do plano seguinte se encavalitam sobre o anterior e em que as vozes se sucedem sem por vezes estar perfeitamente definido a quem pertencem, numa disjunção do visual e do sonoro em que o corte se torna interstício, como escreve Deleuze sobre o cinema moderno, nomeadamente sobre Godard, tudo faz perfeitamente sentido em terreno muito sólido.  
    Com excelentes actrizes que o cineasta sabe filmar, nomeadamente Cate Blanchett como Nancy e Natalie Portman como Elizabeth - como uma Monica Vitti e uma Jeanne Moreau algures num "Blow Up" com fotógrafos avulsos mas sem mistério exterior -, e um Christian Bale reflexivo e reflector, o filme cria o seu tom rememorativo e interiorizado de maneira plenamente convincente e conseguida.
                    Christian-Bale-Isabel-Lucas-in-Knight-of-Cups
     Não está, como nunca esteve em causa que Terrence Malick sabe filmar. O que volta muito pertinentemente a acontecer é a construção circular, que acaba com um "começa" e nos devolve inteiro um Rick atormentado que, porém, na sua solidão e nas suas dúvidas, transporta consigo a resposta a todas as suas perguntas - do estúdio à cidade, das festas à auto-estrada, de Los Angeles a Las Vegas, do mar ao deserto, o pai Joseph/Brian Dennehy e o padre estão especialmente bem vistos.             
      O que a meu ver agora importa é que o cineasta passe ao capítulo seguinte da sua obra, que não é extensa mas é muito relevante, sem se deixar enredar pelo narcisismo como aconteceu a Takeshi Kitano no mesmo transe, no seu caso sem transição. Se assim for, por mim compreendo e aplaudo, tanto mais quanto a fotografia de Emmanuel Lubezki é muito boa, muito bem replicada pela música de Hanan Townshend. E quanto mais incompreendido mais eu gosto deste "Cavaleiro de Copas" pelas suas qualidades intrínsecas e pela sua sinceridade.
                    Knight-of-Cups
     É muito poético? Pois é, é-o mesmo por definição, na linha dos filmes anteriores do cineasta, e é talvez disso que vocês não gostam, nem com a sua presumível imputação a um "cinema de poesia" pasoliniano, ainda para mais partindo de uma caverna para chegar a um deserto montanhoso.
     (Sobre Terrence Malick, ver "Poética de Terrence Malick", de 5 de Fevereiro de 2012, "Começar de novo", de 12 de Agosto de 2012, e "Um autor americano", de 30 de Maio de 2013.)

Determinada

    "Despojos de Inverno"/"Winter's Bone" (2010), de Debra Granik, também co-autora do argumento com Anne Rosellini (baseado na novela de Daniel Woodrell), é mais um filme do novíssimo cinema independente americano que apresenta uma qualidade notável e nos faz manter atentos ao que a esse nível se passa. 
                    http://www.homecinemachoice.com/sites/18/images/article_images_month/2012-02/winters%20bone%2003.jpg
      Uma filha de 17 anos, Ree/Jennifer Lawrence, empreende a busca do seu pai desaparecido, fugido da prisão, como condição para poder manter a casa em que vive com a mãe e os dois irmãos mais novos. De recusa em recusa entre todos os seus conhecidos, vai ser depois de levar uma sova de um grupo de mulheres que o seu tio, irmão mais novo do pai, a vai tentar ajudar.
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     Há uma atenção a gente que vive com muitas dificuldades e em especial à protagonista, colocada numa situação muito ingrata que chega a levá-la a tentar alistar-se no exército para, em desespero de causa, obter o dinheiro de que precisa com prazo muito curto, que é acompanhada por uma atenção ao meio físico, o meio rural dos Montes Ozarks, no Missouri, que singulariza o olhar seco de "Despojos de Inverno" sobre uma realidade deprimida vivida num meio de grande beleza, o que beneficia da fotografia de Michael McDonough, sempre justa no enquadramento e na iluminação.
                    Jennifer Lawrence, actresses, USA, poor, Winters Bone, poverty, rural
      Sem largar Ree, uma excelente Jennifer Lawrence, o filme acompanha-a a par e passo na sua busca determinada sem a tornar metafísica (a tentativa de encontrar o pai, vivo ou morto) com plena credibilidade humana e fílmica. A banda sonora é muito boa e variada, da responsabilidade de Dickon Hinchliffe. Na montagem Affonso Gonçalves.
      "Winter's Bone", que não conhecia, passou na última semana no Arte.

domingo, 6 de março de 2016

Uma boa causa

    Depois de uma estreia auspiciosa no cinema independente com "A Estação"/"The Station Agent" (2003) e "O Visitante"/"The Visitor" (2007), na sua quinta longa-metragem, "O Caso Spotlight"/"Spotlight" (2015), o americano Tom McCarthy atinge o formato de produção que o assunto tratado exige e volta a sair-se muito bem (Oscar para o Melhor Filme este ano). 
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    Com recurso a grandes actores, nomeadamente Mark Ruffalo como Mike Rezendes, Michael Keaton como Walter 'Robby' Robinson e Rachel McAdams como Sacha Pfeiffer, o filme reconduz-nos ao inquérito jornalístico do Boston Globe que em 2001 levou à descoberta e exposição de dezenas de casos de pedofilia entre o clero católico da cidade, casos esses que há décadas vinham sendo encobertos pela hierarquia.
     Baseado em factos reais, o argumento de Josh Singer e do próprio Tom McCarthy leva-nos aos meandros do caso e ao trabalho persistente dos jornalistas junto das vítimas passadas e de alguns culpados, bem como ao meio judicial, com destaque para aqueles que, como advogados, serviram de mediadores com o Igreja para, com o ajuste de indemnizações, abafarem o assunto. 
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       A realização é sóbria e segura, dir-se-ia que para dar todo o destaque à narrativa (apesar de pelo menos uma citação de "O Mundo a Seus Pés"/"Citizen Kane", de Orson Welles,1941), e este "O Caso Spotlight" não deixa de fazer lembrar "Os Homens do Presidente"/"All the President's Men", de Alan J. Pakula (1976), sobre o Caso Watergate. Feita esta comparação, somos remetidos para os chamados "liberais de Hollywood" que, na ressaca do macartismo, tiveram que, a partir dos anos 60 do Século XX, traçar o seu caminho com todas as precauções, que não evitaram que alguns deles tenham sido gravemente penalizados pela indústria, como aconteceu especialmente com Arthur Penn.
      Abraçando grandes causas com generosidade, os ditos liberais não deixaram por isso de chegar geralmente depois dos acontecimentos, nomeadamente para denunciarem um complot, como refere Gilles Deleuze no capítulo final de "L'image-mouvement", que comenta que esse foi um projecto estético e mesmo político crítico "...e por isso mesmo menos «perigoso» do que se se exercesse num projecto de criação positivo." (1)
                     
      Feita esta observação, que situada no tempo se mantém válida, pelo seu assunto tratado com grande dignidade e pertinência, susceptível mesmo de originar o unanimismo, pela sua rigorosa construção dramática, que nunca abandona a perspectiva da investigação jornalística, e pelos seus excelentes actores "O Caso Spotlight" vem situar-se com destaque num espaço temático pouco frequentado pelo cinema americano, salvo em "Mystic River" de Clint Eastwood (2003).

     Nota
    (1) Cf. Gilles Deleuze, "L'image-mouvement" (Paris: Les Éditions de Minuit, 1983, Capítulo 12.2).

sexta-feira, 4 de março de 2016

Noémia Delgado (1933-2016)

   Foi uma mulher muito influente no cinema português, fundamentalmente por causa do filme "Máscaras" (1976), obra fundamental do documentário etnológico em Portugal, filmado em Trás-os-Montes. 
   A sua actividade cinematográfica, iniciada como técnica de montagem em filmes de Paulo Rocha e com a participação na fundação do Centro Português de Cinema ainda nos anos 60, prosseguiu como assistente de Thomas Harlan em "Torre Bela" (1975) e veio a desdobrar-se como realizadora entre o cinema e a televisão, tendo o seu último filme sido "Quem foste, Alvarez?" (1988).          
                    Morreu a realizadora Noémia Delgado, um nome pioneiro ligado ao Cinema Novo
   Com a ideia de que poderia ter feito muito mais filmes se para isso tivesse tido as necessárias condições, aqui a recordo sentidamente neste momento, presto a minha homenagem e exprimo o meu grande apreço.

No mesmo barco

     No seu número 720, de Março de 2016, os Cahiers du Cinéma recordam Jacques Rivette, recentemente falecido (ver "O senhor do segredo", de 31 de Janeiro de 2016), com a inclusão de uma entrevista sua a Hélène Frappat no final do século passado (em 1999), intitulada "Le secret et la loi", e de diversos depoimentos de quem trabalhou mais com ele. Mas além do outro material das outras secções habituais da revista, este número contém também um estudo inédito de Pacôme Thiellement, intitulado "L'Homme de ma Mort", sobre "Love Streams", de John Cassavetes (1984), actor e cineasta americano que traduzia filosofia não como o amor da sabedoria mas como o estudo do amor. 
                                  
     Esta conjunção extremamente pertinente sobre dois grandes nomes do cinema leva Stéphane Delorme a utilizar a expressão "no mesmo barco" com ambos os cineastas, recordando que os Cahiers de 1968-1969 dedicaram grande atenção aos dois - "L'Amour fou" e "Faces". Nesse barco estou eu também desde antes desse tempo, e por isso aconselho incondicionalmente a todos este último número dos Cahiers du Cinéma. Porque é essencial para mim que a resposta à pergunta "o que é um filme?" passe pela "ideia de trabalho" e conhecer melhor quem entendia a filosofia como "o estudo do amor", além de ser fundamental respeitar aqueles que amamos mesmo, e em especial depois da sua morte. Aproveitem, porque para este barco sou eu que vos convido.
     (Sobre os Cahiers du Cinéma ver "O nº 700", de 17 de Maio de 2014, e "Dossiers exemplares", de 15 de Julho de 2014.)