"Timbuktu", de Abdelrrahmane Sissako (2014), é o primeiro filme deste cineasta da Mauritânia a estrear em Portugal. Sabia-se que ele é um cineasta importante mas nunca antes o pudéramos confirmar, o que agora acontece. Deste modo, a revelação acompanha a confirmação.
Passando-se nas proximidades de Timbuktu, o filme coloca frente a frente uma pacífica família, o casal Kidane/Ibrahim Ahmedi e Satima/Toulou Kiki, com a sua filha Toya/Layla Walet Mohamed e o jovem pastor Issan/Mehdi Ag Mohamed, e o grupo jiadista que domina a região e aí impõe a sua lei fundamentalista. Só que, muito inteligentemente, esse conflito, sempre presente e até de forma chocante dadas as proibições envolvidas, é tratado com ironia (a discussão sobre o futebol, o jiadista que não está à-vontade para o seu discurso perante uma câmara) e sobretudo mediado por um outro conflito, entre Kidane e o pescador que mata uma vaca sua e em seguida ele mata na mais bela cena do filme.
No desenvolvimento dramático subsequente, que passa pelo pedido em casamento de Toya pelo chefe jiadista e pela morte de dois habitantes locais (por lapidação, nada menos), Kidane é condenado à morte e quando, no final, Satima vem ao seu encontro, são ambos mortos a tiro.
O filme não se perde em grandes e rebuscadas questões cinematográficas, antes se estabelece entre a corça do início e do fim e Toya em fuga no final, numa expressão de liberdade ameaçada e ferida, o que enquadra a tragédia e prolonga o conflito em pura beleza primitiva para além da sua própria consumação.
No pleno domínio dos meios do cinema, Abdelrrahmane Sissako é um cineasta que sabe o que quer e o que faz. Também co-argumentista de "Timbuktu", com Kessen Tall, ele sabe mostrar o lado humano de ambos os lados e a ultrapassagem dos limites de ambos os lados, sem desculpabilizar ninguém e levando o filme ao seu desfecho apropriado. Com uma realização sóbria e muito segura, este é um filme que nos faz desejar conhecer a obra anterior do cineasta - quando a distribuição cinematográfica e a edição dvd em Portugal entenderem que merecemos mais do que os clássicos mais óbvios.