“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Um homem de sonho

      Homenageado hoje com a medalha municipal de mérito científico no Museu Nacional de História Natural e da Ciência da Universidade de Lisboa, de que foi director, o Professor António Galopim de Carvalho marcou uma época decisiva como geólogo no estudo dos vestígios paleontológicos de dinossáurios em território português, aos quais dedicou uma exposição que deu brado e ficou célebre.       
                  
        Professor eminente e investigador incansável, homem de uma grande modéstia e de um grande saber e um grande comunicador, a ele ficamos todos a dever descobertas científicas fundamentais que marcaram o final do século passado no nosso país. Sem se colocar aos ombros de ninguém, somos todos nós que estamos aos seus ombros. Os meus agradecimentos e a minha homenagem pessoal, Professor Galopim de Carvalho.

quarta-feira, 29 de junho de 2016

FCG: 60 anos

     Para comemorar os seus 60 anos, uma bonita idade, a Fundação Calouste Gulbenkian apresenta uma programação especial desde o passado dia 23 de Junho. Para a FCG é uma data redondo e bonita, que comemora uma actividade repleta de grandes iniciativas sociais, educativas e culturais no país e no estrangeiro (em especial em Paris e Londres), que acompanhei de perto sempre que possível e fizeram com que, em tempos passados, fosse considerada o "Ministério da Cultura" de Portugal.
                         
      Celebra o seu 60º aniversário com uma programação especial, com concertos, filmes, workshops, sessões de leitura e outros eventos, que pode ser consultada aqui
https://gulbenkian.pt/. 
       Do mesmo passo que felicito a Fundação Calouste Gulbenkian por mais este aniversário, aconselho vivamente esta programação especial e as suas outras iniciativas actuais e futuras, que podem ser consultadas no mesmo site. Para quem tem memória, beneficiou mesmo sem saber da sua actividade e como estímulo para o futuro. 
         Muitos anos de vida!

domingo, 26 de junho de 2016

O choque da poesia

    Por mim não valia a pena os distribuídores portugueses terem-se incomodado em estrear comercialmente o último filme do catalão José Luis Guerín, "A Academia das Musas"/"La academia de las musas" (2015). Regressado aos anos finais do século passado nas salas dos King, em Lisboa, em que vi pela primeira vez ao seu assombroso "Comboio de Sombras"/"Tren de sombras" (1997), assisti sozinho na sala a este filme que merecia outros espectadores. Mas ainda bem que ele nos chegou.   
                      Academia das Musas 3
     Não tem outros espectadores porque não os procura, no seu movimento entre documentário e ficção, de novo muito bem explorado, desta vez em volta dessa coisa de suma má fama desde Platão: os poetas e a poesia. A partir de um dispositivo fixo, uma sala de aulas numa universidade, o filme centra-se no professor de filologia, Raffaele Pinto, depois seguido com algumas alunas e em casa com a mulher.
     Mais do que o cerco ao saber, que também é, "A Academia das Musas" de José Luis Guerín monta o cerco à poesia e ao professor já entrado que dela se atreve a falar, nas suas aulas e fora delas, às suas alunas. Da poesia e da beleza, com recurso à mitologia. Nós sabemos que ele tem o poder da palavra, da linguagem, na qual o filme se vai estribar para a sua argumentação sobre a poesia, mas também percebemos que a realidade das alunas, que ele não deixa de influenciar, lhe foge por todos os lados. E no cerco montado é isso que, entre aceitação e reserva, é mais importante.
                     A Academia das Musas
      No discorrer sobre a poesia vai muito do maior interesse do melhor deste filme, que deambula entre Barcelona, a Sardenha e Itália, concretamente Nápoles, que se perde em requebros de filmar mulheres jovens dando-lhes também a palavra: a origem da poesia e a sua crítica, mas também a origem do cinema e a sua prática. 
     Continuando a fazer exactamente aquilo que quer com quem quer, num filme construído a pouco e pouco o cineasta continua a debruçar-se nos abismos do cinema. E ao entrar no campo da poesia, em pleno, sem actores profissionais ele vai ao encontro do melhor do cinema e da sua arte. 
                     Academia das Musas  -
    Que se meta pelos labirintos conhecidos do passado - renascentista, medieval, antigo - só lhe fica bem, que não se reencontre plenamente no presente faz a sua mais pertinente crítica. (Por mim vou muito pelos clássicos e o verso livre, ou branco, deixa-me no contexto indiferente.) Acolho muito favoravelmente a fidelidade de José Luis Guerín a um modelo pessoal que impôs e o tornou uma referência continuada do melhor do cinema contemporâneo.
     "A Academia das Musas" é um grande filme que se interroga sobre a poesia e a beleza, a vida e a morte. Sobre o cinema.

sábado, 25 de junho de 2016

Salve Maria

    Das três Marias dos anos 70 portugueses a minha preferida sempre foi a Velho da Costa. No entanto, é da Teresa Horta o extraordinário livro de poesia "Anunciações - Um romance" (Lisboa: Dom Quixote, 2016), que acaba de ser publicado.
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      Prefiro esquecer o tempo em que, ainda nos anos 60, a comecei a ler. Prefiro esquecer mas não esqueço. Um tempo melhor do que este? Um tempo diferente, em qualquer caso. Entre o entretecer do acaso e o vislumbre do tempo, num ano de novos poetas que se afirmam e confirmam, como Daniel Jonas, eu vou por ela, que vivamente vos aconselho. Entre Maria e o anjo, "...com a chave da poesia".
     "Até onde me levas?
      Até onde...
      Até quando ardendo
      nos perdemos?
      Oh desmesura
      de vulcão e ermos!"
      ("Até onde?", página 155)

terça-feira, 21 de junho de 2016

O ruído do deserto

       Estreou em Portugal "Rainha do Deserto"/"Queen of the Desert", de Werner Herzog (2015), um filme de ficção que reconstitui a vida de Gertrude Bell/Nicole Kidman, inglesa que entre o final do Século XIX e as primeiras décadas do Século XX percorreu o Médio Oriente, onde se cruzou com T. E. Lawrence/Robert Pattinson.                        
                        rainha do deserto
      Filmando em Marrocos, na Jordânia e em Inglaterra, é com grande mestria que o cineasta alemão radicado há uns anos nos Estados Unidos trabalha sobre argumento seu num filme que ressoa a biopic de que, contudo, sabe evitar o lado menos agradável. De facto, indo ao essencial da vida da protagonista o filme desenrola-se entre dois encontros amorosos efémeros dela, o primeiro com Henry Cadogan/James Franco, o segundo com Charles Doughty-Wylie/Damian Lewis, ambos diplomatas (o segundo mais destacado do que o primeiro), o que confere um equilíbrio notável ao quadro narrativo.
       Talvez sejam, contudo, as longas excursões dela pelo deserto ao encontro de diversas tribos e chefes árabes que maior interesse apresentam e mais prendem no filme por retratarem um percurso difícil e perigoso que raramente uma mulher terá feito. E mesmo assim a história de Gertrude Bell não está completamente contada.
                        rainha do deserto
     Com uma excelente interpretação de Nicole Kidman, "Rainha do Deserto" segue a protagonista na sua vida aventurosa, acompanhada pelo seu fiel guia Fattuh/Jay Abdo, num tempo, entre o fim anunciado o Império Otomano e a I Guerra Mundial, em que o Império Britânico existia ainda, o que torna todas as suas notações históricas e políticas extremamente interessantes na actualidade.
        A mestria do cineasta está em escolher sempre o mais importante e como melhor o filmar, não abdicando de, com a sua criatividade, fazer uma recriação de época muito audaciosa e com todas as referências históricas pertinentes. A partir da história de uma mulher a quem veio a ser confiado o desenho de fronteiras por aqueles que para tal confiaram nela.             

                        Queen of the Desert (Rainha do Deserto, 2015) de Werner Herzog                 
      A fotografia de Peter Zeitlinger, que não esqueceu o precedente histórico de David Lean (1962), é excelente, a música de Klaus Badelt muito apropriada e a montagem de Joe Bini justa e precisa, o que com a realização torna este "Rainha do Deserto" um filme muito bom mesmo se de certa maneira insólito na obra de quem realizou "Aguirre, a cólera de Deus"/"Aguirre, der Zorn Gottes" (1972)" e "Fitzcarraldo" (1982) e recentemente se tem dedicado sobretudo ao documentário (sobre Werner Herzog ver "Para doer", de 20 de Abril de 2013).  

sábado, 18 de junho de 2016

Uma vida

     O mais recente filme de Mia Hansen-Love, "O Que Está por Vir"/"L'Avenir" (2016), confirma-a plena e definitivamente como a grande cineasta que os seus filmes anteriores anunciavam.
   A partir de novo de um argumento seu, o filme acompanha uma mulher, Nathalie Chazeaux/Isabelle Huppert, professora de filosofia, casada com Heinz/André Marcon, com dois filhos e uma mãe, Yvette/Edith Scob, e um antigo aluno preferido, Fabien/Roman Kolinka. Ela tem problemas com os alunos, com a sua editora, com o marido de quem se divorcia, com os filhos que partem, com a mãe (grande Edith Scob) que acaba por morrer, com Fabien, com a gata, o que significa que a sua vida está recheada de problemas. Como a nossa.
                    
     Com uma Isabelle Huppert ao seu melhor nível e actores todos eles muito bons, Mia Hansen-Love constrói uma trama narrativa, visual e sonora muito boa, em que tudo está no seu sítio preciso e nada falha, entre Paris, a Bretanha e os Vosges. Reunindo três, no fim quatro gerações de uma família em volta de uma mulher que de súbito se descobre independente, "O Que Está por Vir" é um excelente filme no feminino sobre a vida. Isso mesmo: a vida, morte e nascimento incluídos.
       Tem momentos em que me lembra Eric Rohmer mas tem sobretudo uma linha de rumo que o faz andar sempre em frente, imparável como a vida. E se Nathalie troca a gata que oferece pelo neto que recebe isso não nos deve fazer esquecer todo um percurso pela filosofia, a sua profissão, que passa pelos excertos lidos, pelos comentários, pelos livros mostrados, o que faz lembrar aquele cineasta de proa da nouvelle vague francesa de quem não preciso de vos dizer o nome.
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      A cineasta diz ter-se inspirado nos seus pais, professores de filosofia, e no seu convívio com colegas e alunos intelectuais de esquerda, o que passa muito bem nas personagens e nas discussões do seu filme e será responsável pelo tom político reflexivo que, quase em surdina, o atravessa. 
      Tudo sereno, como na vida moderna, com os sobressaltos e pressões a que todos estamos sujeitos. E tudo com uma realização precisa, seguríssima, de quem sabe exactamente o que quer e o que está a fazer e o plano final confirma (sobre Mia Hansen-Love, ver "Amanhã à mesma hora", de 29 de Agosto de 2013, e "O ritmo de tudo", de 9 de Maio de 2015).       

domingo, 12 de junho de 2016

José Paquete de Oliveira (1936-2016)

    Foi uma referência maior do jornalismo português, no estudo e análise da comunicação social e na sua intervenção, que vai fazer muita falta e deve permanecer como grande exemplo de integridade, rigor e independência.
   Com um percurso notável que, a partir da sua Madeira natal, o levou a diversos meios de comunicação, imprensa, rádio e televisão, sempre se destacou como um profissional probo e com grande poder de comunicação. 
                                                                               
   Sociólogo, professor universitário destacado, homem de grande inteligência e cultura, a sua intransigência com os princípios e a sua abertura de espírito permanecem como o seu maior legado
   Do mesmo passo que lhe presto homenagem neste momento, apresento a expressão do meu muito sentido pesar à família e aos amigos, assim como ao jornal Público, de que era provedor do leitor.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

8 dias em Roma

     Baseado no romance de Giancarlo De Cataldo e Carlo Bonini, "Suburra" é a segunda longa-metragem para cinema de Stefano Sollima (2015), também realizador da série televisiva "Gomorra" (2014-2016) que passou há uns meses no Arte.
     Tudo é dirigido por um gangster poderoso, Samurai/Claudio Amendola, que está interessado em transformar Óstia numa nova Las Vegas e para o conseguir recorre a todos os estratagemas, incluindo a compra de um deputado, Filippo Malgradi/Pierfrancesco Favini, e relações privilegiadas com o Banco do Vaticano, Cardeal Berchet/Jean-Hugues Anglade, enquanto decorre uma guerra de gangs em que ele assegura protecção ao seu grado.
                    
     Sucedem-se mortes e vinganças, chantagens num mundo de sexo e drogas em que o dito deputado sai chamuscado pela morte de uma prostituta menor. O filme de Stefano Sollima tem o mérito de não poupar nada nem ninguém, personagens menores e maiores, todas elas envolvidas num mesmo imbrógleo mesmo se lateralmente, por medo, fraqueza ou compromissos sórdidos.
     Mas ao contar tudo o que decorre entre 5 e 12 de Novembro de 2011, quando no Vaticano o Papa se apresta para resignar, "Suburra" explora os factos sem qualquer contraponto, o que o torna um filme sem reflexão para além de factos que, ficcionados embora, hoje em dia não espantam ninguém. Na teia de cumplicidades criminais vigora o princípio de que "todo o homem tem um preço", como dizem os portugueses que percebem do assunto - e é mesmo isso que mais odeio neles -, pelo que tudo e todos se compram e vendem como num típico filme de gangsters.     
                     Suburra: a Roman western between politics and criminality
     Apostando na estrutura clássica do filme de gangsters, todos os crimes são punidos durante o próprio filme, salvo o de Malgradi, peça eminentemente substituível no parlamento que vier a ser eleito a seguir. Em bruto, sem qualquer recuo ou distância o filme vale pelos seus elementos técnicos e artísticos, com fotografia de Paolo Carnera, música de Pasquale Catalano e montagem de Patrizio Marone, e actores todos eles muito bons. 
     Mas para além da "denúncia" não fica nada, o que faz com que saiba a pouco mais do que o seu próprio espectáculo - um bom espectáculo apesar de tudo num filme mais de género do que político que não deve ser tomado por mais do que aquilo que tem para dar.

sábado, 4 de junho de 2016

O maior

   Muhammad Ali (1942-2016) foi não só o maior pugilista, pesos-pesados, de todos os tempos como o maior desportista profissional da era moderna.
   Com uma carreira de vitórias imcomparável - venceu 56 em 61 combates -, ele foi também um homem notável fora do desporto, na luta pelos direitos cívicos nos anos 60 e como homem generoso e mediático.
                     Muhammad Ali derruba Foreman em confronto na África
    Humilde e de grande humor, Muhammad Ali tinha orgulho em si mesmo como pugilista, de estilo elegante e contundente, e como homem. Foi popular pelas melhores razões e aqui lhe deixo a minha memória e sentida homenagem, apontando-o como um exemplo a seguir no desporto e na vida.
     Recordo neste momento o filme que Michael Mann lhe dedicou, "Ali" (2001), com Will Smith, que é um filme muito bom com uma grande interpretação.

Subir

    "Evereste"/"Everest", de  Baltasar Kormákur (2015), com argumento de William Nicholson e Simon Beaufoy a partir do relato de Beck Weathers, é um bom espectáculo e um filme muito apreciável sobre uma expedição ao pico do mundo em 1996 que, bem sucedida na ascenção, decorreu desastrosamente no regresso. 
                       evereste-Filme
    A primeira parte, a da subida, é muito boa por nos dar a motivação, o desejo de cada um dos intervenientes de chegar ao topo do mundo, e acompanhar detidamente a escalada. Pensado e feito como grande espectáculo, torna-se especialmente interessante por as coisas não terem corrido como previsto no regresso, com um alpinista a seguir a outro a não conseguir regressar e sobreviver.
    Rodado nos próprios locais, esse facto valoriza o filme e confere-lhe uma maior verdade que os factos reais em que se baseia por si próprios exigiam. O grande dramatismo de "Evereste" decorre também desse facto e das grandes interpretações.               
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     Num tempo em que o grande espectáculo está em moda sobretudo no cinema americano - e a grande aposta do actual cinema americano é no grande espectáculo - devemos ser capazes de o apreciar quando ele é bom espectáculo, como aqui acontece. O drama dos alpinistas deste filme é o drama de todos nós: ter um sonho na vida e cumpri-lo, mesmo se no regresso não se sobrevive. 
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     Desde que não se exija de "Evereste" o que ela não pretende ser, pode admirar-se neste filme uma máquina de produção de emoções que funciona bem, em pleno. Dramática e visualmente, com um sopro clássico.  
     A lição de cooperação entre seres humanos com um objectivo comum é uma bela lição para um mundo em que se vive de espezinhar uns aos outros. Feito para 3D e Imax, "Evereste" é como um "Titanic" do alpinismo sem atingir o seu nível - sem James Cameron.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Sólveig Anspach (1960-2015)

    De origem islandesa e americana, Sólveig Anspach, que nos deixou em 7 de Agosto de 2015, apesar de ser uma cineasta apreciável não é conhecida em Portugal. Com o seu último filme, póstumo, "L'effet aquatique" (2016), a estrear até ao fim do mês, passou esta semana no Arte o seu penúltimo filme, "Lulu femme nue" (2013).   
                        C'est important de savoir bien faire le mort dans la vie
   Com argumento seu e de Jean-Luc Gaget, a partir da banda-desenhada homónima de Étienne Davodeau, o filme conta com uma excelente interpretação de Karin Viard como Lucie, uma mulher de quarenta anos, casada e com filhos, que após uma entrevista de emprego mal sucedida parte à aventura sem destino certo. Sem o estardalhaço do cinema americano e das suas vedetas, o filme desenrola-se calmamente confrontando a protagonista com um homem mais velho, que vive numa caravana, mas também com outras mulheres, de todas as idades.
   Graças ao percurso aberto da protagonista, o filme de Sólveig Anspach dá-nos os problemas de mulheres em todas as idades e condições, numa perspectiva feminina inteligente e com um final, depois do regresso a casa de Lulu, muito bem resolvido em termos fílmicos. Como sublinhou a crítica francesa aquando da estreia do filme, a cineasta encena aqui a sua própria morte.
                     Lulu femme nue - Solveig Anspach                  
    Pois estas coisas não chegam a Portugal por não interessarem distribuídores apenas movidos pelos nomes mais conhecidos e pelos sucessos de bilheteira. Felizmente existe o Arte que nos permite conhecer tudo o que de mais relevante é feito em toda a Europa e em todo o mundo.
    Na despedida tardia, a minha homenagem a Sólveig Anspach, uma boa cineasta que faz falta.    

Bill Douglas (1934-1991)

    O Arte transmitu na passada segunda-feira, 30 de Maio, a trilogia do escocês Bill Douglas composta por "My Childhood" (1972), "My Ain Folk" (1973) e "My Way Home" (1978), que marcou uma época.
                     Bill Douglas Trilogy
      Inédita em Portugal, salvo na Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema, esta é uma trilogia que todos devem conhecer, uma referência fundamental do cinema dos anos 70. O seu autor, também argumentista, que morreu precocemente, traça aí o retrato de Jamie/Stephen Archibald, desde os anos da Guerra até à sua ida para o serviço militar, empurrado entre pais e avós e procurando aguentar-se mesmo assim com a cumplicidade de Tommy/Hughie Restorick, nos dois primeiros filmes, acompanhado por Robert/Joseph Blatchley no último.
     Passado numa aldeia mineira na Escócia, a Newcraighall natal do cineasta, com o final rodado no Cairo, e filmada num intransigente preto e branco, esta trilogia tem, em especial nos dois primeiros filmes, um uso quase fotográfico da fotografia e toda ela uma excelente construção narrativa e fílmica, elíptica e convocando permanentemente o fora-de-campo. Ao exigir a participação do espectador Bill Douglas é aqui profundamente moderno.
                     Image for The Bill Douglas Trilogy
    Bill Douglas, que fez ainda "Comrades" (1986), é uma referência fundamental graças a esta trilogia em especial, com um estilo que tira todo o partido da linguagem do cinema para tratar uma época e um local pouco vistos no cinema.
     É por causa de coisas como esta que eu continuo a ver e recomendar o Arte, uma verdadeira alternativa a uma boa cinemateca.