Já aqui exprimi o meu grande apreço pelo cineasta turco Nuri Bilge Ceylan (ver "Por Ceylan", de 30 de Maio de 2014), cuja obra conheço bem. O seu último filme, "Sono de Inverno"/"Kis uykusu" (2014), confirma inteiramente a conta em que o tenho, como um dos melhores cineastas da actualidade. De facto, neste seu mais recente filme, que recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2014, ele regressa de maneira mais extrema ao microcosmos do seu filme anterior, "Era Uma Vez na Anatólia"/"Bir zamanlar Anadolu'da", 2011 (ver "A grande fronteira", de 20 de Maio de 2012), mas desta vez, a partir de contos de Anton Tchékhov (1), esse microcosmos, perfeitamente localizado na actualidade, algures na Anatólia, assume ainda maior ressonância universal.
Jogando-se entre dois irmãos proprietários de um hotel, Aydin/Haluk Bilginer e Necla/Demet Akbag, ele também colunista no jornal local, ex-actor e aspirante a escritor, mais a mulher dele, Nihal/Melisa Sözen, muito mais nova do que ele, a partir desse núcleo progressivamente revelado Ceylan tece a sua narrativa no confronto destes entre si e com um inquilino que não paga o que deve, Ismail/Nejat Isler, acompanhado pelo irmão, Hamdi/Serhat Mustafa Kiliç. Sem se afastar desse rumo e da ideia de dívida, a partir de um argumento seu e de Ebru Ceylan o cineasta constrói um filme denso e despojado, com uma composição visual em tapeçaria em diferentes espaços que rara mas repetidamente a música suavemente comenta.
Deste modo, sem nunca cair no melodrama que expressamente rejeita, "Sono de Inverno" é um drama familiar que agarra o lugar-comum para com ele, para nosso espanto e confusão, construir uma viagem abissal pela vida humana, no que ela tem de mais trivial e comum. Mas dizendo isto não digo ainda nada do que este filme subtilmente é sobre as relações sociais, sobre os confrontos mais íntimos mas também mais verdadeiros de todos nós.
O casal de idades diferentes, Aydin e Nihal, não tem filhos, a filha da irmã dele, Necla, vive em Inglaterra, de maneira que a parte dos mais novos recai sobre o filho do inquilino em falta, Ilyas/Emirhan Doruktutan, enquanto a parte dos mortos recai sobre o proprietário, cuja primeira mulher morreu, enquanto a sua irmã está divorciada e justamente discute com o irmão essa sua situação.
Com uma primeira parte centrada no conflito com o inquilino, uma segunda parte sobre os dois irmãos, uma terceira parte sobre o casal, o filme resolve-se com a separação deste, o rumo de cada um dos seus membros, a ideia de dádiva e o modo como ela é rcebida. Aos cavalos selvagens que haviam surgido, um dos quais fora capturado e mais tarde simbolicamente devolvido à liberdade, responde no final a caçada que significa o regresso à normalidade, para a conclusão pelo protagonista do seu projectado livro sobre o teatro turco.
Contando com todos os apontamentos culturais, sociais e religiosos pertinentes e com actores excepcionais, "Sono de Inverno" é um filme excelente de um cineasta imenso. A meu ver à altura de "A Regra do Jogo"/"La règle du jeu", de Jean Renoir (1939), e este é o maior elogio que lhe posso fazer.
Nota
(1) Incluindo os seus contos, Tchékhov está traduzido em português em edição da Relógio D'Água.
Deste modo, sem nunca cair no melodrama que expressamente rejeita, "Sono de Inverno" é um drama familiar que agarra o lugar-comum para com ele, para nosso espanto e confusão, construir uma viagem abissal pela vida humana, no que ela tem de mais trivial e comum. Mas dizendo isto não digo ainda nada do que este filme subtilmente é sobre as relações sociais, sobre os confrontos mais íntimos mas também mais verdadeiros de todos nós.
O casal de idades diferentes, Aydin e Nihal, não tem filhos, a filha da irmã dele, Necla, vive em Inglaterra, de maneira que a parte dos mais novos recai sobre o filho do inquilino em falta, Ilyas/Emirhan Doruktutan, enquanto a parte dos mortos recai sobre o proprietário, cuja primeira mulher morreu, enquanto a sua irmã está divorciada e justamente discute com o irmão essa sua situação.
Com uma primeira parte centrada no conflito com o inquilino, uma segunda parte sobre os dois irmãos, uma terceira parte sobre o casal, o filme resolve-se com a separação deste, o rumo de cada um dos seus membros, a ideia de dádiva e o modo como ela é rcebida. Aos cavalos selvagens que haviam surgido, um dos quais fora capturado e mais tarde simbolicamente devolvido à liberdade, responde no final a caçada que significa o regresso à normalidade, para a conclusão pelo protagonista do seu projectado livro sobre o teatro turco.
Contando com todos os apontamentos culturais, sociais e religiosos pertinentes e com actores excepcionais, "Sono de Inverno" é um filme excelente de um cineasta imenso. A meu ver à altura de "A Regra do Jogo"/"La règle du jeu", de Jean Renoir (1939), e este é o maior elogio que lhe posso fazer.
Nota
(1) Incluindo os seus contos, Tchékhov está traduzido em português em edição da Relógio D'Água.
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