“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Uma relação condenada

    Do romeno Corneliu Porumboiu, de quem conhecíamos "12:08 a Este de Bucareste"/"A fost sau n-a fost?" (2006), chega-nos agora "Quando a Noite Cai em Bucareste ou Metabolismo"/"Când se lasa seara peste Bucaresti sau metabolism" (2013). Passado entre um realizador de cinema, Paul/Bogdan Dumitrache, e uma actriz, Alina/Diana Avramut, o filme desconcerta-nos com as suas sucessivas voltas em torno dos protagonistas, cuja relação acaba por se tornar desorientada.
     Com argumento do próprio realizador, o vago tom de absurdo que, sem a ironia do seu filme de 2006 se apodera deste filme conduz a um progressivo desalento, que poderá ser o sentimento, comum ao novo cinema novo romeno, que pretende transmitir (ver "Percurso exemplar", 14 de Abril de 2012). Numa sociedade alheada e conformista, em que a mentira e o logro se tornaram lugar-comum, na aparentemente estéril e condenada relação estabelecida entre o realizador e a actriz, em que a repetição sistemática da mesma cena ocupa lugar central, paira a obsessão pela exactidão e as suas possíveis variantes contra um pano de fundo que gira em seco.
                     Cand se lasa seara peste Bucuresti sau metabolism
     Pode o filme em preparação neste filme concluir-se e ser um sucesso, aliás dele apenas ficamos a conhecer intenções e pedaços soltos não mostrados. Agora "Quando a Noite Cai em Bucareste ou Metabolismo" passa-se nas fissuras do filme, nos bastidores da preparação da sua rodagem, e esse em termos de metacinema o seu lado mais compreensível e agradável. De resto a monotonia que estabelece diz mais de uma sociedade que de um filme que deliberadamente a procura e trabalha, em que é de ressalvar a tentativa de abrir novos caminhos.
     Há habilidade e bom gosto na construção do filme, nomeadamente a insistência no plano longo que vem aumentar a monotonia, e pode, mesmo sem conhecermos o seu filme anterior, "Politist, adjectiv" (2009), entender-se a utilidade que ele tenha tido para Cornelius Porumbiou. Não direi, por isso, que alguma coisa começa a deslizar no novo cinema novo romeno", nem que ele parece girar em círculo em torno de si mesmo, mas que esboça aqui uma procura de novos caminhos, de referências e de diversidade, que como tal se pode apresentar.

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