“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Bons auspícios

   O mais recente filme de Michael Mann, "Blackhat: Ameaça na Rede"/"Blackhat" (2015), é uma evolução auspiciosa na obra do cineasta. Estávamos sem notícias dele desde "Inimigos Públicos"/"Public Enemies" (2009), um filme de gangsters bem esgalhado, e não se esperaria depois desse um filme como este seu filme seguinte é.  
                        o-BLACKHAT-facebook
    É que "Blackhat: Ameaça na Rede", na perseguição dos responsáveis por uma rede que actua como hacker na net com fins de especulação bolsista a atingir através de sucessivos ataques terroristas, tem todos os sinais da Série B, e poderia ter feito as delícias de John Carpenter. Sem o aparato de "Miami Vice" (2006), por exemplo, mesmo os actores são desconhecidos e o intérprete do protagonista, Nick Hathaway, o australiano Chris Hemsworth, pode mesmo passar por um péssimo actor, ao nível do Roddy Piper de "Eles Vivem"/"They Live" (1988), num papel que faz lembrar o Snake Plissken que por duas vezes Kurt Russell interpretou para Carpenter - "Nova Iorque 1997"/"Escape from New York" (1981) e "Fuga de Los Angeles"/"Escape from L. A." (1996). Muito novos, Leehom Wang como Chen Dawai e Wei Tang como Chen Lien, a sua irmã, cumprem bem sem comprometer a presença física de Hemsworth, que é tudo o que lhe é pedido e ele tem para dar ao filme.
    Vamos ver se me explico bem. Por inverosímil que o enredo narrativo possa parecer e até seja, tem todas as referências mais conhecidas à internet, ao mercado bolsista, à China e ao Sudeste Asiático, bem como à "teoria da conspiração internacional", em função das quais Nick Hathaway é tirado da prisão onde estava para, com os seus conhecimentos informáticos, dar caça aos desconhecidos perpetradores de atentados - enquanto Snake Plissken tinha que salvar nada menos que o Presidente dos Estados Unidos, indigno e raptado ou presa de sedição. Chen Lien reforça os laços entre o irmão e Nick ao envolver-se com este, e os responsáveis pela ameaça, Elias Kassar/Ritchie Koster e Henry Pollack/John Ortiz, são brancos e usam barbas.
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     Procurei uma actriz branca e não-chinesa no filme e apenas dei por Viola Davis como Carol Barrett, uma negra que não gosta de ser tratada como latina - parece haver algumas agentes do FBI brancas mas nem sequer surgem creditadas. E quando os responsáveis pela missão começam a morrer às mãos do vilão começamos a perceber que mais gente vai cair, Chen Dawai, o mano a mais, para como no filme negro o par jovem e isolado defrontar o super-vilão - e o final no meio do desfile festivo está muito bem feito, com um desenlace ambíguo, como eu gosto e a Série B e o filme negro propiciam.
     Os colaboradores não são os habituais de Michael Mann, também produtor: o argumentista Morgan Davis Fohel, o director de fotografia Stuart Dryburgh, os compositores Harry Gregson-Williams, Atticus Ros e Leo Ross. Com novo aspecto desenvolto e decidido, mantendo embora a encenação com movimentos laterais de câmara e com profundidade de campo e uma montagem sincopada, sem ligar ao estrelato que animou os seus filmes de longa-metragem anteriores nem à verosimilhança do racconto, de uma maneira inesperada e muito auspiciosa o cineasta surge em "Blackhat: Ameaça na Rede" em muito boa forma. Antes assim.

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