“O Mundo num Arame”/”Welt Am Draht” (1973) é um filme em 16mm, em duas partes, de
Rainer Werner Fassbinder, que permite completer
o quadro sobre o génio do cineasta. Baseado no romance “Simulacron 3”, do norte-americano Daniel F. Galouye, é um
filme sobre o mundo dos computadores, da programação e da antecipação do futuro
construído como um policial negro
americano dos anos 40, folhetinesco como um serial
e demonstrativo da produção torrencial do seu realizador.
Na
sua construção em espelho, objecto que surge desde o início no filme como
objecto revelador, “O Mundo num Arame” trata de uma equipa científica que trabalha
com um super-computador, cujo chefe, Vollmer, morre e é substituído, tentando o
seu substituto, Stiller, descobrir o que se trama por trás da morte do
substituído, do desaparecimento de uma outra personagem, Lause, e de outras
circuntâncias bizarras, para o que conta com o esporádico apoio da filha do seu
antecessor, Eva. Tudo se complica com personagens que são projecções, com o
apoio de um grupo económico ao prosseguimento do projecto, finalmente com a
sugestão de que o mundo real é uma simples projecção resultante da programação
por aqueles que julgava programar.
Reconhece-se
aqui o que vieram a ser filmes futuros só que com um outro tratamento narrativo
e fílmico, muito mais audacioso, pois Fassbinder foi um imenso cineasta que
aqui como noutros filmes é perfeitamente vertiginoso na construção visual, nos
cenários, na profundidade de campo com contraste de escalas desde o plano
próximo ao fundo do plano, nos zooms
que substituem o travelling e vão
direitos ao rosto das personagens, na concepção do plano e no ritmo da
montagem. Fred Stiller/Klaus Löwitsch vê-se acossado por aqueles para quem
trabalha, tem dores de cabeça súbitas que o deixam derreado e são atribuídas ao
excesso de trabalho, vê prepararem a sua prisão e vê-se acusado de assassínio
(há no filme uma outra personagem que se chama Lang). Tem uma secretária do
tipo das secretárias do policial negro
americano, vê-se encurralado sem saber quem no seu mundo é réplica ou contacto
do mundo superior e percebe bem que ali a diferença entre o superior e o
inferior é muito relativa.
“O
Mundo num Arame” é, assim, um filme de ficção científica de 1973, como
“Alphaville” de Jean-Luc Godard tinha sido um filme de ficção-científica de
1965 – e a presença de Eddie Constantine assume a comparação no próprio filme.
Mas subitamente, na segunda parte a cor torna-se viva, saturada, como num musical de
Vincente Minnelli, num melodrama de Douglas Sirk, e assim somos remetidos para
um universo de sonho em que outras referências cinematográficas maiores
aparecem (“Fatalidade”/“Dishonored”, de Joseph von Sternberg, com uma jovem e
sedutora Marlene Dietrich, 1931), o que vem trazer para o filme toda uma outra
carga de sugestões provenientes do cinema clássico e moderno americano e mostra como, ao
antecipar o futuro, o cineasta insiste nas referências ao passado.
Mas não são só os espelhos, são os ecrãs, as janelas, as paredes envidraçadas que funcionam como espelhos e todos recortam quadros dentro do quadro. Não são só a profundidade de campo e o zoom mas também os vertiginosos movimentos de câmara que dão ao filme uma dinâmica visual superior, que até corresponde à vertigem do protagonista adveniente das suas dores de cabeça e do universo intrigante que vai descobrindo, e é neste filme permanentemente controlada pelo cineasta, à semelhança do que acontece noutros filmes seus mais conhecidos. No final, a câmara sobe em travelling sobre Fred Stiller morto, num plano intercalado com o do espaço para que ele é recuperado vivo por Eva Vollmer/Mascha Rabben, uma sala de paredes nuas e com janelas, através das quais não é mostrado o exterior.
Aliás, este é um filme que aponta para um Fassbinder menos conhecido, realizador de filmes populares sempre de uma qualidade superior e com a sua assinatura pessoal, um cineasta enorme e extremamente moderno na forma e nos temas, que aqui revela o seu imenso talento com um filme feito em 1973, um ano em que dirigiu mais três filmes, o mesmo ano de “Alice nas Cidades”/”Alice in der Städten”, de Wim Wenders, e de ”Willow Springs”, de Werner Schroeter. Na mesma época, iniciava-se na Nova Hollywood, recém criada a partir das cinzas da velha, um surto de filmes sobre a “teoria da conspiração”, no limite da paranóia, o que aliás veio a ter réplicas no cinema europeu.
Mas não são só os espelhos, são os ecrãs, as janelas, as paredes envidraçadas que funcionam como espelhos e todos recortam quadros dentro do quadro. Não são só a profundidade de campo e o zoom mas também os vertiginosos movimentos de câmara que dão ao filme uma dinâmica visual superior, que até corresponde à vertigem do protagonista adveniente das suas dores de cabeça e do universo intrigante que vai descobrindo, e é neste filme permanentemente controlada pelo cineasta, à semelhança do que acontece noutros filmes seus mais conhecidos. No final, a câmara sobe em travelling sobre Fred Stiller morto, num plano intercalado com o do espaço para que ele é recuperado vivo por Eva Vollmer/Mascha Rabben, uma sala de paredes nuas e com janelas, através das quais não é mostrado o exterior.
Aliás, este é um filme que aponta para um Fassbinder menos conhecido, realizador de filmes populares sempre de uma qualidade superior e com a sua assinatura pessoal, um cineasta enorme e extremamente moderno na forma e nos temas, que aqui revela o seu imenso talento com um filme feito em 1973, um ano em que dirigiu mais três filmes, o mesmo ano de “Alice nas Cidades”/”Alice in der Städten”, de Wim Wenders, e de ”Willow Springs”, de Werner Schroeter. Na mesma época, iniciava-se na Nova Hollywood, recém criada a partir das cinzas da velha, um surto de filmes sobre a “teoria da conspiração”, no limite da paranóia, o que aliás veio a ter réplicas no cinema europeu.
Para nós, modernos,
continua a haver um grande cineasta moderno a descobrir e/ou a redescobrir
sempre, com o qual aprender que o futuro está no passado e que o passado
antecipa o futuro, e para nos seus filmes conhecer o cinema moderno no seu
melhor nível de criação cinematográfica pessoal.
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