“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 10 de junho de 2012

Bom tema, bom filme

          Depois de "Contágio"/"Contagion" (2011), um grande filme, Steven Soderbergh regressa aos pequenos filmes com "Uma Traição Fatal"/"Haywire", do mesmo ano. Pequeno filme é, obviamente, uma maneira de dizer, pois este é apenas mais um daqueles filmes em que o cineasta se permite dar livre curso à sua imaginação e à sua criatividade, sem outro compromisso que o de fazer livremente e bem feito algo que se sente e percebe lhe dá um gosto especial. "Confissões de uma Namorada de Serviço"/"The Girlfriend Experience" (2009), feito no mesmo sistema, deixara excelente impressão.   
                      
           "Uma Traição Fatal" começa por ser um filme sobre um bom tema, a traição, que é tratado no meio da espionagem americana de uma forma muito hábil e feliz, em termos cinematográficos, como filme de acção. Numa primeira parte construída em flash back, de grande inteligência e com grande dinamismo, o filme descreve, através da narrativa de Mallory Kane/Gina Carano, o percurso que a levou primeiro a Barcelona, depois a Dublin, onde fora traída por aquele que era suposto acompanhar nessa missão, Paul/Michael Fassbender, a mando, porém, do ex-marido e chefe dela, Kenneth/Ewan McGregor. Na sombra movem-se figuras de chefia da "empresa", Coblenz/Michael Douglas e Rodrigo/Antonio Banderas, de modo que Mallory não sabe em quem mais confiar a não ser no seu pai, John Kane/Bill Paxton, com o qual vai ter ao Novo México depois de ter sido perseguida e presa pela polícia. Em casa do pai Kenneth a procura com os seus homens e ela vai poder defender-se e exercer a sua vingança ante-final. Essa parte final abandona o flash back dela e vai socorrer-se de flashes de outras personagens, o que vai permitir a mudança de narrador sem, contudo, alterar o estilo do filme nem abrandar o seu ritmo ou a construção elíptica que ele tem desde o início.
                     Haywire       
          Liberta-se deste filme uma grande energia, que é contagiosa mas não faz nunca esquecer o que está em causa na narrativa. A um grande tema corresponde, assim, um grande filme de acção, com largo recurso às artes marciais (em que a actriz Gina Carano é mesmo especialista), cuja energia é tonificante e cujos meandros não ferem a inteligência do espectador, antes a estimulamNão há tempo para respirar, para pensar muito, para pôr grandes questões, já que tudo é veloz, fulgurante e explica-se por si mesmo. Deste modo, o que poderia ser mais uma banal história de espionagem torna-se num filme empolgante e comovedor, em que a protagonista acaba por encontrar os apoios necessários para chegar onde quer: proteger-se e vingar-se de quem a traiu.  
          A traição é sempre um bom tema dramático, especialmente num bom filme de acção como "Uma Traição Fatal" é, sem pretender ser outra coisa. O falso marido morre no quarta do hotel, em Dublin, literalmente entre as pernas de Mallory e o verdadeiro ex-marido é deixado por esta mulher de armas à força das marés, depois de um outro agente, livre de suspeitas, morrer ao lado dela. Tudo simples e directo, explicando-se por si mesmo em termos eminentemente visuais. A catarse é exercida e o final elíptico, muito claro, só escassamente é deixado em suspenso.
                     HAYWIRE
          Aqui está intacto o melhor do grande talento de um grande cineasta num "pequeno filme sem importância", experimental e fascinante, em que ele volta a assumir pessoalmente a responsabilidade pela direcção da fotografia e também pela montagem (sob pseudónimos). Sempre a abrir, pelo simples gosto do cinema.

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