O actor americano Ben Stiller surge também como realizador de "A Vida Secreta de Walter Mitty"/"The Secret Life of Walter Mitty" (2013), em que interpreta o protagonista, Walter Mitty, responsável pelo departamento de negativos de uma importante revista americana. Os seus episódios de desligamento sonhador tornam-no uma personagem comum num mundo submerso em considerações práticas e o desaparecimento do negativo da fotografia 25 do célebre fotógrafo Sean O'Connell/Sean Penn compromete o futuro imediato da revista e, na onda de "transição" que a envolve, o seu próprio posto de trabalho.
Walter dá a volta ao mundo para encontrar o negativo em falta, na procura do célebre e fugidio fotógrafo, esquecendo-se de olhar para dentro da prenda que ele lhe oferecera. Com o seu ar de inocente um tanto desastrado mas sobretudo sujeito a reveladores momentos de desligamento, bem intencionado procura longe o que estivera nas suas mãos. Julgando encontrar problemas com uma colega, possível namorada, Cheryl Melhoff/Kristen Wiig, cujo filho Rich/Marcus Antturi cativa, e com uma mãe, Edna/Shirley MacLaine, que continua a velar por ele, Walter surge um pouco como o inocente desastrado e bem intencionado que acaba por se revelar o herói necessário das comédias de Frank Capra dos anos 30 do Século XX.
Pela forma como constrói o seu mistério, o da fotografia desaparecida, e a sua personagem, "A Vida Secreta de Walter Mitty" revela-se um filme imaginativo, muito bom e necessário num primeiro nível, imediato, de leitura, que apela aos valores elementares do imaginário cinematográfico americano. A ideia da fotografia desaparecida está bem explorada, tal como a figura sonhadora, muito cinematográfica, do protagonista, o desenlace da capa do último número da revista está muito bem achado e a lição final é muito bem-vinda.
Ben Stiller diz ter-se inspirado em Jacques Tati ("Playtime", 1967), o que se percebe na sua inscrição física na gigantesca cidade moderna e mesmo no ar desastrado de Walter, o que, juntamente com os acenos para o cinema americano de que a presença de Shirley MacLaine assume um aspecto muito evocativo, lhe fica bem. Mas, sem dúvida importante, a meu ver o fundamental nem sequer é isso.
O fundamental é o momento de suspensão, puramente mágico, em que, no cimo dos Himalaias, o fotógrafo profissional saído de "O Lado Selvagem"/"The Wild Side" que Sean Penn dirigiu, escreveu e interpretou em 2007, com o leopardo branco a que chama "phantom cat" enquadrado na objectiva da sua máquina fotográfica se recusa a disparar para admirar a pura beleza da presa. Essa a grande poética da fotografia (e do cinema), lapidarmente dada: o abismar-se perante a beleza da própria realidade - tanto mais importante quanto correm tempos ilusionistas de revolução digital no cinema, de cujos efeitos Ben Stiller se socorre muito bem para a caracterização e evolução da sua personagem em New York e na sua deambulação pelo mundo (a Goenlândia, a Islândia, os Himalaias), tornando ainda maior o contraste.
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