“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 19 de abril de 2015

A pequena bambu

     O "Conto da Princesa Kaguya"/"Kaguyahime Monogatari", do japonês Isao Takahata (2013), é mais um belíssimo filme de animação de um país que há várias décadas conta com uma das mais importantes escolas de cinema de animação do mundo (sobre Hayao Miyazaki ver "Uma animação principesca", de 30 de Março de 2012, e "Asas", de 22 de Março de 2015).
                    
      Senhor de um estilo de desenho animado muito próprio e original, Isao Takahata constrói este seu filme a partir de um conto tradicional japonês do Século X, "O Conto do Cortador de Bambu", o que permite melhor compreender as suas figuras tipificadas de camponeses pobres e de senhores poderosos. O acaso leva um cortador de bambu a encontrar uma criança entre as folhas e os caules, e ele vai educá-la com a sua mulher para ser uma futura princesa, enquanto os mais novos a tratam por Pequena Bambu.
     Não vou contar a história do filme, muito japonesa e muito antiga. Vou apenas chamar a atenção para o precioso desenho de Isao Takahata e da sua equipa, um trabalho talvez mais esquemático do que o de Hayao Miyazaki mas não menos expressivo que o dele - aliás ambos trabalham para o Estúdio Ghibli, de que foram co-fundadores em 1985. De facto, à semelhança dos seus filmes anteriores em "O Conto da Princesa Kaguya" o cineasta, também autor da história e co-argumentista, detém-se nos detalhes mais significativos, quer das personagens (rostos, cabelos, silhuetas, vestuário), quer do meio (os campos, os interiores das casas), com um traço preciso aberto nos contornos, criando uma dinâmica original e, com um extraordinário tratamento da cor, deixando sempre um pormenor inesperado no espaço vazio.
                     kaguya_7-800x600
    Resolvido o racconto contra as expectativas dos grandes senhores, incluindo do imperador, ele não vai favorecer Sutemaru, o amigo de infância da protagonista senão em sonho, já que a ela, mesmo se contra vontade um destino literalmente mais alto, selenita, a espera, deixando embora atrás de si o elogio da imperfeição humana, dos seus limites e dos seus pontos mais sólidos - justamente o que define os humanos.
    Este é um filme que, com uma música muito expressiva em seu favor, é para ser devorado com todos os sentidos e também com a inteligência, que ele desafia e convoca. Saúda-se aqui a súbita aparição em sequência de vários filmes do melhor da animação japonesa em Portugal. O fundamental "O Túmulo dos Pirilampos"/"Hotaru no haka" (1988) passa em 6 de Maio próximo ao princípio da noite no Arte.

Sem comentários:

Enviar um comentário