“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

quarta-feira, 6 de maio de 2015

A flor da magnólia

     Entra-se por um longo travelling para a frente em "Visita ou Memórias e Confissões" de Manoel de Oliveira (1982), o filme que ele rodou em 1981 e destinou a ser mostrado só após a sua morte, o que agora sucedeu. Visita à casa no Porto em que ele com a família habitou durante 40 anos até ter tido que a vender, entrado o portão, e sem corte, chega-se a uma magnólia e as vozes (Diogo Dória e Teresa Madruga) dizendo um belíssimo texto escrito por Agustina Bessa-Luís começam a tomar corpo no filme.
    Apresentada a casa em momentos de cinema que se contam entre o melhor que o cineasta fez, Manoel de Oliveira filma-se a si próprio falando para a câmara depois de surpreendido a escrever à máquina. Entre regressos recorrentes das duas vozes ele fala de si e dos seus, do seu trabalho, dos seus projectos. E há então algo de comovente em vê-lo e ouvi-lo falar de si, das suas memórias e confissões pessoais, sobre um dispositivo em que as fotografias antigas a preto e branco são visivelmente projectadas por ele contra a câmara num excelente exercício cinematográfico de quadro dentro do quadro. 
                    
     Mas há também a outra casa, a de sua mulher, Maria Isabel, no Douro, onde também viveu e trabalhou e que também visitamos, com a referência ao local em que trabalhava e a personalidades internacionais do cinema que aí o visitaram, assim como há a passagem pelas prisões do fascismo deste homem de cinema, reconstituída de forma muito feliz com a cumplicidade do escritor Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013), seu companheiro de infortúnio nesses dias - são planos secos e rápidos, como num curto filme de reconstituição dentro do documentário.
      O filme inédito de Manoel de Oliveira feito para os que lhe sobrevivessem, para a posteridade, é uma obra absolutamente fascinante e superior, feita para o cinema sobre uma vida dedicada ao cinema. A entrada é assombrosa, as vozes que pairam cativantes, as palavras dele claras e precisas, sinceras e inéditas elas também, a presença e a palavra de Maria Isabel indispensável, a referência à sua amizade com Paulo Rocha imprescindível, as imagens a preto e branco que incluem fotografias e filmes um grande achado muito bem explorado. E Beethoven fica ali muito bem.
     Eu que nunca tinha querido ver "Visita ou Memórias e Confissões" vi-o agora e fiquei encantado, pois além de ser uma ideia original é um excelente filme que nos devolve vivo o imenso cineasta que ele foi, acrescentando-lhe surpreendentemente, de modo definido e definitivo, a obra (sobre o cineasta ver "Por Manoel de Oliveira", de 15 de Março de 2015, e "Poética de Manoel de Oliveira", de 5 de Abril de 2015).

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