Passou no 12º Indie Lisboa o último filme de Eugène Green, "La Sapienza" (2014), um filme em que ele recupera em Itália do seu infeliz filme português, "A Religiosa Portuguesa"/"La Religieuse portuguaise" (2009), em que, forçando tudo, tentava enfrentar, num tom essencialmente turístico, o mito sebástico. Embora se compreendesse a intenção, o resultado era muito mau.
Ocupando-se agora da arquitectura do barroco italiano, Eugène Green consegue não desmerecer dos seus primeiros filmes, bastante bons, baseados no plano fixo frontal : "Toutes les nuits" (2001), "Le monde vivant" (2003), "Le pont des Arts" (2004). Com uma narrativa minimal mas decente - um arquitecto, Alexandre/Fabrizio Rongione, e a mulher, Aliénor/Christelle Prot, são um casal em crise que decide uma viagem a Itália onde conhece dois irmãos, Goffredo/Ludovico Succio e Lavinia/Arianna Nastro, esta sofrendo de um mal estranho -, "La Sapienza" desenrola o seu projecto com a filmagem de obras de referência da arquitectura barroca italiana, entre Borromini e Bernini, sem se afastar da sua proposta estética.
Pode-se considerar irritante a insistência do cineasta não só no plano fixo frontal mas também na geometria dos planos e nos diálogos solenes, que parecem querer preencher algum vazio existencial. Pesem embora as ingenuidades em que voluntariamente cai, movendo-se na fronteira entre o excesso e o ridículo "La Spienza" consegue firmar-se na margem estreita que os separa para se impor como obra invulgar, exigente e conseguida, onde o seu filme anterior claudicava.
Com momentos de grande beleza visual, o filme consegue envolver-nos no seu dispositivo e no seu ritmo quase encantatório, deixando-nos entregues a uma experiência nos limites da beleza e da história, com a inversão de papéis entre mestre e discípulo em viagem - durante a qual visitam a famosa igreja romana que dá o título ao filme - enquanto Aliénor fica a fazer companhia a Lavinia que recupera, e, interpretada pelo próprio cineasta, a referência à antiquíssima cultura dos caldeus a chamar a atenção para a actualidade e a caducidade de tudo. Os actores são bressonianamente impassíveis mas os seus corpos e rostos falam, enquanto a câmara, sem evitar os planos mais aproximados, estabelece uma distância deles sempre justamente regulada. Eugène Green sai, assim, com "La Sapienza" do limbo em que a sua experiência portuguesa o tinha mergulhado para esta sua "viagem a Itália".
Claudio Monteverdi é muito bem utilizado num ambiente que ressuma barroco por todos os póros. Um filme que ingenuamente acaba bem, o que é sempre uma variante bem-vinda em tempos confusos e pessimistas.
Sem comentários:
Enviar um comentário