“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 31 de maio de 2015

Sobre arte

   O mais recente filme do documentarista americano Frederick Wiseman, "National Gallery" (2014), é mais uma obra-prima do cinema numa obra em que elas abundam com especial concentração nos anos mais recentes.
    Sem ter antes filmado a instituição museal, na sua linha de filmar as instituições americanas e, mais recentemente, também europeias o cineasta escolhe para o efeito a mítica National Gallery, em Londres, e pelas suas salas e corredores vagueia para detidamente mostrar pinturas, mas também para fazer ouvir comentários detalhados de quadros célebres. Como fizera nos anteriores "A Dança - Le Ballet de l'Opera de Paris"/"La danse" (2009) e "Crazy Horse" (2011), não deixa de incluir a discussão dos problemas de gestão da instituição, especialmente difíceis na actualidade.  
                      National Gallery - Examining Portrait of Frederick Rihel on Horseback by Rembrandt
     Mas o que mais impressiona neste filme é que ao filmar o museu Wiseman filma a arte de uma vez por todas, com um brio e um apuro que roçam a perfeição a esse nível ao alcance do cinema - só Peter Greenaway por caminhos ficcionais e Jean-Marie Straub/Danièle Huillet por caminhos documentais terão ido tão longe quanto ele aqui vai, ao nível de "A Arca Russa"/"Russkiy kovcheg", de Alexandr Sokurov (2002). De facto, ao mostrar os quadros no espaço museográfico e ao dar a palavra a curadores, guias e restauradores, "National Gallery" - sempre primorosamente iluminado, o que é uma questão essencial neste caso - oferece detalhes sobre a situação de cada quadro no tempo, na obra e na época respectivas, o que os cometários dos responsáveis do restauro situa perfeitamente em termos temporais, de degradação material e recuperação provisória.
     No filme entram também, e de forma decisiva, as outras artes - a arquitectura, a música, a poesia, a dança - além do próprio cinema (no outro filme que está a ser feito no museu durante a rodagem deste), o que constitui o seu acume em termos de perfeição e completude. Que os problemas de gestão do museu sejam aqueles não surpreende. Agora que a juventude não esteja ausente é significatico num filme que tem, muito justamente, o cuidado de mostrar sempre os visitantes.
                      national-gallery
     Frederick Wiseman não é um cineasta fácil nem nunca procurou a facilidade, tendo dedicado a sua obra cinematográfica justamente ao mais difícil, ingrato e espinhoso. Contudo, os seus filmes são sempre de uma grande beleza, como com este de novo acontece, e de uma grande justeza que na montagem finalmente se define.
   Sobre arte aconselho vivamente a série "Pallettes" do canal franco-alemão Arte, da responsabilidade de Alain Jaubert, que tem edição dvd. Mas aconselho neste momento sobretudo "Mirleos", de João Miguel Fernandes Jorge (Lisboa: Relógio d'Água, 2015), o mais recente livro de poesia de um dos melhores poetas portugueses contemporâneos, sobre o Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra.    
                     National Gallery exterior
       Porque estas coisas, mesmo sem que vocês dêem por isso, ligam-se todas. No Louvre está até 29 de Junho uma grande exposição sobre Nicolas Poussin (1594-1665), o grande pintor do barroco francês ao qual Louis Marin, entre outros, dedicou um estudo de referência que não está disponível em português - "Sublime Poussin" (Paris: Seuil, 1995). Embora alguns dos seus quadros estejam disponíveis on-line justamente no site da National Gallery, aqui
http://www.nationalgallery.org.uk/artists/nicolas-poussin
se puderem vão a Paris ver, porque a reprodução técnica não substitui o original.

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