O filme inédito póstumo de Paulo Rocha, "Se Eu Fosse Ladrão... Roubava" (2011), é o extraordinário testamento de um dos maiores cineastas portugueses de sempre.
Aí ele reconstitui, com argumento e diálogos de Regina Guimarães, a vida de seu pai, Vitalino jovem a partir da morte dele (Chandra Malatitch e Luís Miguel Cintra), com um muito oportuno e justificado recurso a excertos de filmes seus, o que, embora ele já não tenha podido completar pessoalmente o filme, transforma este numa leitura final que o próprio Paulo Rocha propõe da sua obra.
O mergulho no tempo assim proporcionado, com colagens fabulosas da Isabel Ruth de "Os Verdes Anos" (1963), a de "O Rio do Ouro" (1998) e a de agora, torna este um filme vertiginoso sobre o tempo e o cinema, sobre o tempo no cinema de Paulo Rocha, o tempo para os seus actores e espectadores. O diálogo castigado de Regina Guimarães, já sua cúmplice desde o filme de 1998, acrescenta um tom memorialista de época que enriquece "Se Eu Fosse Ladrão... Roubava" do lado de um verismo popular vagabundo, entre o rural e o urbano.
Revermos os excertos escolhidos pelo cineasta de "Os Verdes Anos", "Pousada das Chagas" (1972), das duas Ilhas, a dos Amores e a de Morais (1982, 1984), de "Máscara de Aço contra Abismo Azul" (1989), "O Rio do Ouro", "A Raiz do Coração" (2000), constitui uma metaleitura com todas as ligações por ele propostas, de que destaco o recorrente "Leva-me daqui!", que rima bem com a personagem do jovem Vitalino, e a ligação de Isabel Ruth na actualidade com os bailes, o de "Os Verdes Anos" e o de "O Rio do Ouro", este com a canção que dá o título ao filme.
Enriquecido também, e sobretudo, pelo momento em que Paulo Rocha se dirige ao espectador, "Se Eu Fosse Ladrão... Roubava" estabelece mesmo as ligações oportunas e pertinentes entre a vida do Vitalino passado e personagens e cenas-chave da obra de Paulo Rocha, que vista por ele e por ele comentada pode ser vista a uma outra luz: a da sua memória do passado familiar anterior ao seu próprio nascimento, muito bem documentada em fotografias de época.
Bem visto, este é um filme paralelo no seu propósito, embora não idêntico no seu resultado, a "Visita ou Memórias e Confissões" (1982), o filme de Manoel de Oliveira para ser mostrado apenas depois da sua morte. Em qualquer caso eloquente e esclarecedor, o que juntamente com a sua beleza visual, que alterna, mesmo na reconstituição, o preto e branco e a cor, constitui o seu mérito maior, na afirmação de uma pureza pessoal que Oliveira ali também para si reivindicava.
A operação Paulo Rocha agora em curso (e já não era sem tempo), juntando o início e o final da sua obra, está apenas no princípio daquilo que lhe é devido: a sua obra toda disponibilizada em sala e em dvd. Às distribuídoras e editoras cabe cumprirem a sua obrigação (sobre o cineasta ver "Sob o mesmo signo", de 12 de Fevereiro de 2012, e "Dois cineastas maiores", de 31 de Dezembro de 2012).
A operação Paulo Rocha agora em curso (e já não era sem tempo), juntando o início e o final da sua obra, está apenas no princípio daquilo que lhe é devido: a sua obra toda disponibilizada em sala e em dvd. Às distribuídoras e editoras cabe cumprirem a sua obrigação (sobre o cineasta ver "Sob o mesmo signo", de 12 de Fevereiro de 2012, e "Dois cineastas maiores", de 31 de Dezembro de 2012).
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