“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 18 de novembro de 2012

Beleza e humor

          A quarta longa-metragem, terceira para cinema, de Mathieu Amalric, "Tournée - Em Digressão"/"Tournée" (2010), é um filme inspirado e muito bom, em que o conhecido actor francês assume de novo a realização com brio e felicidade, permanecendo presente como actor.
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        Acompanhando a digressão do New Burlesque e do seu empresário, Joachim Zand/Mathieu Amalric, o filme percorre a França a que ele assim consegue regressar, por entre números avulsos do espectáculo, questões de bastidores e a vida que o próprio empresário vai reencontrando em conflito: o irmão, a mulher, os filhos. Não há drama, nem sequer melodrama, mas pequenos apontamentos soltos queeivados de humor e melancolia, dão a vida da troupe e do seu problemático empresário, sempre em perda.      
        Dessa forma, "Tournée - Em Digressão" dedica-se àquilo que interessa Amalric, as mulheres da troupe, que ele segue como realizador e que o seguem como actor. O ar descontraído e anti-convencional que ele confere ao seu filme dá-lhe o tom justo em termos fílmicos e em termos humanos, sem cair na lamechice, o que a personagem de Joachim evita muito bem, nem edulcorar as personagens ou as situações.
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           Assim, por este filme passa um tom de amor pela vida, pelo espectáculo e, sobretudo, pelas mulheres que constitui a sua marca característica, com o que isso possa envolver de conflito com outros(as) franceses(as) atendendo à relativa excentricidade quer do espectáculo quer da vida que as suas intérpretes e o seu empresário levam. Um fascínio muito particular emana daí, resultante da generosidade interessada do cineasta/actor que, sem se perder em escusadas questões formais, vai directo ao que lhe interessa e que ele, na sua dupla qualidade, sabe muito bem o que é.
            Numa lógica que faz pensar em John Cassavetes, Mathieu Amalric não perde nunca uma noção precisa do espaço e das suas personagens, sem que para tal tenha que enveredar pelo grande espectáculo cinematográfico ou de realização, antes mantendo-se sempre atento ao que interessa mostrar, ao que é relevante dizer daquele espectáculo e das suas descontraídas, sentimentais e belas intérpretes. Tanta concentração nelas conduz por vezes a um tom felliniano, o que é explicado pela grande atenção que no filme, como realizador e actor ele dedica ao espectáculo que são as próprias mulheres do New Burlesque, observadas na intimidade e em proximidade.
                     Tournee, directed by Mathieu Amalric
         Mantendo sempre o interesse visual e sonoro, "Tounée - Em Digressão" acaba por interessar também por uma narrativa sem pontos de grande peso dramático, entre o humor e a irrisão, que por isso não cansa, antes mantém o espectador alerta. A troupe nunca chegará a Paris, mas o espectáculo tem de continuar, sempre na estrada, até ao mar, onde termina o filme sobre a solidão e o vazio. Sem carregar as tintas, sempre em tom justo, com mulheres entre a beleza e o humor, o que faz com que não se pareça com nada no cinema francês - talvez "French Cancan", de Jean Renoir (1954), embora aqui as intérpretes se encenem a si próprias. O prémio para a mise en scène que recebeu em Cannes veio reconhecer o seu indiscutível mérito.

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