As três curtas-metragens de João Salaviza agora lançadas em DVD dão a ideia muito clara de que estamos perante um novo cineasta de enormes qualidades, com um talento raro para o cinema, acerca do qual revela aí ter uma noção muito precisa em termos visuais e humanos.
Em "Arena" (2009) ele trabalha, com uma intuição visual não ingénua mas cultivada, sobre um conflito mínimo, elementar (o dinheiro, o guito), entre um jovem mais velho, Mauro/Carloto Cotta, e alguns miúdos. No início, em interior a proximidade da câmara prende-nos ao protagonista. A seguir, os exteriores utilizam o quadro arquitectónico para situar com precisão o cenário, para tal aumentando a distância a partir da qual assistimos à evolução do conflito em termos elementares. As personagens recortam-se então num cenário vasto que faz sobressair a sua solidão, o seu isolamento, o que o domínio do plano geral e do plano médio permite que seja feito em termos cinematograficamente muito precisos e claros, consistentes e sem a menor redundância, tudo seco, compreensível e de uma grande beleza, que não oculta, porém, o conflito, antes o situa na sua exacta dimensão.
Em "Cerro Negro" (2011), partimos de um interior, mas com uma passagem muito boa pela varanda, com uma mãe, Anajara, e um filho, Igor, e a ausência do pai, Allison, para passarmos ao encontro do casal na prisão, com a ausência do filho, e na prisão ficamos com o pai que vai sentir a ausência da mulher mas sobretudo do filho. Aqui há uma maior proximidade, de acordo com os espaços tratados - a casa, a prisão, a cela -, o que nos leva a experimentar em proximidade humana o calor e a ternura, mas também o isolamento e a solidão das personagens. Mesmo assim, no trajecto de Anajara para a prisão o quadro da arquitectura urbana é muito bem aproveitado, e os espaços da casa e sobretudo da prisão são superiormente tratados em termos de iluminação, o que permite transmitir toda a carga humana das personagens, isoladas, separadas mas com momentos de encontro - um conseguido, entre o casal (um plano de iluminação perfeita, que o torna pictórico), o outro falhado, aquele que o pai tenta estabelecer telefonicamente com o filho. O final, com Allison no interior da cela agarrado às barras da janela e olhando para o exterior, rima muito apropriadamente com a passagem inicial de Anajara pela varanda da casa. De novo tudo simples, elementar, sem retórica nem redundância, de forma a transmitir de maneira precisa a exacta solidão das personagens.
"Rafa" (2012) é a mais longa das três curtas de João Salaviza, decididamente impressionante por, depois de um início em interior, na casa onde o protagonista/Rodrigo Perdigão está com a irmã, Sónia/Joana de Verona, e o sobrinho, com o plano pictórico de mãe e filho, acompanhar Rafael desde que sai de casa para não mais o largar na procura da mãe que não regressara a casa na noite anterior. E assim o filme se constrói sobre um pequeno Rafa que atravessa o Tejo para vaguear por Lisboa na sua busca de uma mãe que, porque ausente, se torna, em ausência, personagem central. Mas a solidão e o desconcerto de Rafa invadem, porque ele é omnipresente, o filme, fazendo-o transbordar em abandono e solidão, nas ruas, na esquadra da polícia, de novo nas ruas, até ao prodigioso final, com a chegada da irmã com o sobrinho ao colo (espantosa panorâmica para a direita, seguida de plano fixo em que ela avança para a câmara), que deixa nos braços do tio num último plano de novo pictórico na noite de Lisboa.
Mais trabalhado do lado dos ruídos, muito seguro e acertado no plano fixo do protagonista a responder às perguntas na esquadra, em que a voz do polícia vem sempre do fora de campo, preciso na definição do quadro, do plano e da montagem, e contando com um actor notável, de uma expressividade contida mas imensa, "Rafa" revela-se como um superior ponto de chegada desta série de três curtas, todas elas muito boas. Os momentos em que o tempo pára, em que o plano fica vazio, em que o silêncio ou os ruídos se fazem sentir, mostram em cada um destes filmes que estamos perante grande cinema de um novo cineasta que sabe exactamente o que quer, por isso procura onde dói e constrói sem hesitações, circunlóquios nem derivas pequenas pérolas, de que é autor do argumento e da realização e em que está presente também na montagem, que são pensadas e realizadas para a sua duração específica.
Venham mais cinco, João Salaviza, venham mais cinco que consigo, em nome do cinema eu pago já. O mundo não pára e consigo o futuro do cinema está em muito boas mãos.
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