"Temos de Falar Sobre Kevin"/"We Need to Talk About Kevin", a terceira longa-metragem da escocesa Lynne Ramsay (2011), é um filme inteligente que trata de maneira moderna e desinibida um drama humano pungente. Baseado no romance homónimo de Lionel Shriver (2005) e centrado num drama familiar comovente e perturbador, este é um filme que, ao narrar sem rodeios e sem teorizar, descreve o percurso justo sobre aquelas personagens e aquele assunto, deixando o espectador com a mesma pergunta de Eva ao seu filho Kevin no final: porquê?
Claro que em toda a sua construção formal e narrativa o filme contém a(s) resposta(s) a essa mesma pergunta, tão pouco óbvia quanto eventualmente surpreendente, mas a cineasta consegue habilmente descrever todo um percurso sobre o passado das personagens por forma a que sejam mostrados todos os elementos relevantes daquele caso dramático - Lynne Ramsay é co-argumentista, com Rory Stewart Kinnear. Nada do que acontece é inexplicável, embora os próprios envolvidos possam ser quem está em piores condições para reconhecer as verdadeiras causas, o que justifica a questão final de Eva.
É sempre fácil culpar a sociedade, os outros, pelos nossos problemas, em especial quando, nas suas consequências, eles exorbitam da vida comum de cada um. O difícil mesmo é compreender a responsabilidade própria no que, aparentemente alheio a cada um, acontece.
A construção cerrada de "Temos de Falar sobre Kevin", o recurso repetido aos pormenores que falam por si mesmos, em especial da segunda vez, como o relógio-despertador digital e a cortina na janela, a planificação que acompanha do plano geral ao plano de pormenor em especial Eva, a vacilação desta entre a realidade e a imaginação mórbida, aliam-se à música, com escolhas modernas muito apropriadas, e à montagem, inteligente e estruturante, por forma a tornar belo e atraente um filme dramático até ao excesso, sem nos distrair do drama antes como meio de o fazer chegar até nós secamente, em toda a sua crueza mas também em toda a sua complexidade. O espaço deixado aos actores é muito bem aproveitado por estes, com destaque para a sempre excelente Tilda Swinton, notável como Eva, John C. Reilly como Franklin e Ezra Miller como Kevin adolescente - uma supresa.
Porém, o que aqui me importa ressalvar é o espaço que no filme, pela sua própria construção a cineasta deixa ao espectador para encontrar as causas de tão devastadores efeitos. É esse toque muito moderno e superior que, acrescentado às características humanas típicas de cada personagem e a uma construção em duplicação, em espelho, em que cada um provoca réplicas sísmicas no outro, torna este filme mesmo excepcional e me leva a insistir em que cada um procure nele as respostas que no seu texto, no seu corpo estão inteligentemente disseminadas.
A vida não é um longo rio tranquilo, como tantos tantas vezes nos querem fazer crer e "Temos de Falar Sobre Kevin" de Lynne Ramsay exemplar e superiormente demonstra e desmonta. Cada um de nós é sempre mais complexo do que pensa, do que julga saber de si próprio - e então relativamente aos outros nem é bom falar... É sempre preciso tentar perceber aquilo que, dependendo de nós, faltou fazer ou foi mal feito, foi feito por metade, em excesso ou na direcção errada. É mesmo por isso que a resposta de Kevin à pergunta de Eva é exemplar: pensei que sabias tudo.
Num filme tão inteligentemente construído em termos dramáticos e fílmicos não nos é, contudo, possível ou meramente recomendável moralizar, já que ele apela fundamentalmente à nossa compreensão e à nossa reflexão. A parte que "Temos de Falar Sobre Kevin" remete para o espectador deve, em todo o caso, ser por este plenamente assumida e cumprida para que o filme se complete
Concluo chamando a atenção para a presença de Steven Soderbergh na produção deste filme. Nestas circunstâncias, ele está, mais uma vez, muito bem como "o suspeito do costume" num filme como este.
A vida não é um longo rio tranquilo, como tantos tantas vezes nos querem fazer crer e "Temos de Falar Sobre Kevin" de Lynne Ramsay exemplar e superiormente demonstra e desmonta. Cada um de nós é sempre mais complexo do que pensa, do que julga saber de si próprio - e então relativamente aos outros nem é bom falar... É sempre preciso tentar perceber aquilo que, dependendo de nós, faltou fazer ou foi mal feito, foi feito por metade, em excesso ou na direcção errada. É mesmo por isso que a resposta de Kevin à pergunta de Eva é exemplar: pensei que sabias tudo.
Num filme tão inteligentemente construído em termos dramáticos e fílmicos não nos é, contudo, possível ou meramente recomendável moralizar, já que ele apela fundamentalmente à nossa compreensão e à nossa reflexão. A parte que "Temos de Falar Sobre Kevin" remete para o espectador deve, em todo o caso, ser por este plenamente assumida e cumprida para que o filme se complete
Concluo chamando a atenção para a presença de Steven Soderbergh na produção deste filme. Nestas circunstâncias, ele está, mais uma vez, muito bem como "o suspeito do costume" num filme como este.
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