"Ida" é a quinta-longa-metragem de ficção do polaco Pawel Pawlikowski (2013), realizador e co-argumentista como costuma acontecer nos seus filmes. Num audacioso e muito conseguido preto e branco, o filme acompanha Anna/Agata Trzebuchowska em 1962 na Polónia, quando, antes de tomar votos no convento onde foi educada como orfã, vai à procura de uma tia que desconhecia, Wanda/Agata Kulesz, que a poderá esclarecer sobre os seus pais.
Para além do tema - os pais de Anna, aliás Ida, eram judeus e foram mortos durante a II Guerra Mundial -, este é um filme exigentemente construído, em que por vezes as protagonistas surgem com o rosto cortado no bordo esquerdo do plano e são repetidamente colocadas na parte inferior deste, o que sistematicamente as remete, por vezes com a ajuda de um plongé, para uma posição minorada, subalterna. Em termos espaciais são as cenas com o pai, em especial no corredor do hospital, primeiro, com o filho em casa, depois, que em termos wellesianos esclarecem o que aqui está em jogo - o cubo perspéctivo, olhar de baixo para cima as personagens na escadaria.
A austeridade da construção formal, para a qual contribui a escassa, por vezes quase inaudível música extra-diegética, em contraste com a exaltada música diegética, e em que o preto e branco é muito importante, joga bem com o tema e sobretudo não tem um carácter gratuito, já que por si mesma fala, significa. E quando as protagonistas visitam a campa dos pais de Ida e do filho de Wanda, a floresta natural assume traços expressionistas.
A conclusão parece-me muito apropriada: depois do suicídio de Wanda, perante a alternativa de "compramos um cão, casamos e temos filhos, como é costume", Anna/Ida opta pelo hábito, pelo presumível regresso convento. Com grande dignidade narrativa e estética, "Ida" cumpre-se no sentido das linhas curvas que, em semi-círculo, repetidamente preenchem a parte superior do plano.
O cinema polaco tem uma história e uma tradição muito importante, perante as quais não sei ainda como situar Pawel Pawlikowski - se é aí que ele deve ser situado, já que tem tido uma carreira internacional depois de ter feito a sua formação em Inglaterra, onde se estreou no documentário em 1991. Agora este filme dá-me a certeza de estar perante um grande cineasta, senhor dos meios próprios do cinema e da sua linguagem, perfeitamente à altura do passado do cinema do seu país. Vamos, por isso, segui-lo com atenção.
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