"Ciúme"/"La Jalousie" (2013) é um estranho filme de um grande cineasta francês, Philippe Garrel, o grande moderno sobrevivente da "nouvelle vague". No seu intransigente preto e branco, o cineasta investe de novo, como nos seus inícios, uma história familiar mas já não simplesmente triangular no modelo da sagrada família (o que na linguagem bárbara de hoje se chama "par monoparental"), antes bicuda.
Nem sequer é o Garrel tradicional este filme que nos pega pelas ventas com o seu despretensioso ar de crónica do quotidiano de um jovem adulto, Louis/Louis Garrel, colhido nas passagens entre mulheres, de Clothilde/Rebecca Convenant para Claudia/Anna Mouglalis. Sem fixação definida, num meio teatral o protagonista adopta um comportamento algo teatral que contamina as suas relações. Contudo, como o cineasta ele é um puro, que acredita, o que hoje fará o descrédito do filme e do cineasta.
Desse modo, por intermédio da filha "Ciúme" leva-nos atrás do lado feminino do filme sem deixar rasto senão no próprio Louis. Philippe Garrel é um grande cineasta do amor, do par primordial e das relações múltiplas, que aqui atinge, em muito curta duração, uma síntese superior da sua arte, despretensiosamente mas com o seu tom pessoal, fazendo o filme do costume, que dele se esperava sem esperar, e com ele voltando a surpreender e encantar.
Como no seu melhor, tudo aqui passa pela simples expressão física e facial das personagens e pelos diálogos, de uma forma hoje em dia pouco usual mas que aproveita e expressa as possibilidades maiores do cinema como arte visual, sonora e narrativa, sem se aproveitar de um esquema típico de acção, antes concentrando todas as relações e emoções das personagens no seu corpo no espaço e no tempo do plano, aquele e não outro, de que só ele tem a arte e o segredo.
Paris 2013 a preto e branco, de "Ciúme" de Philippe Garrel deve sair-se devagar, acendendo um cigarro por um cinema que só por ele ainda existe, num filme que me faz lembrar "Beijos Roubados"/"Baisers volés", de François Truffaut (1968).
Pois é preciso ver e perceber que, descartado Louis na sua teatralidade segura, ficam as mulheres na sua segurança fugidia, flutuante, que diz neste filme tudo aquilo que de fundamental, contra a evidência há a dizer. Sobre elas mais que sobre ele, suprema mestria. Com Esther e lembrando Maurice Garrel (1923-2011).
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