Composto de quatro curtas-metragens de 25 minutos cada uma, o filme "Quatro", de João Botelho (2014), apresenta uma outra ambição que a de cada uma delas isoladamente (ver "Elogio do sensível", de 30 de Maio de 2013). Pensado em função de pares de irmãos artistas, João e Jorge Queiroz, Pedro e Francisco Tropa, que se contam entre os mais importantes artistas contemporâneos portugueses, o filme completo, que passou fora de competição no Doclisboa 2014, dedica um trabalho fílmico próprio e diferente a cada um deles.
O segmento 1, dedicado a João Queiroz, surge na montagem final mais compacto e apurado, evidenciando a presença elementar sobretudo da Terra - e é excelente o plano sequência muito longo que acompanha o artista a caminhar pela serra, como são muito bons os seus textos ditos por dois actores. O segmento 2, dedicado a Jorge Queiroz, é mais centrado no espaço expositivo, por isso mais de interior, mas não se dispensa de fazer ouvir o som da Água, que se vira no anterior, agora a pretexto da sua exposição "Debaixo das pedras da calçada, a praia!" (2012/2013), que deu origem ao livro com o mesmo título (Fundação Carmona e Costa/Documenta, 2012) de que são lidos por uma presença feminina excertos do texto de João Miguel Fernandes Jorge. No primeiro a música, no segundo uma cantora que se vê e é pretexto para um contracampo muito saboroso com o artista.
Se em todo o filme João Botelho interroga e mostra a criação artística, é no segmento 3, sobre Pedro Tropa, pintor e fotógrafo, em que com a subida à montanha e o vento o elemento central é o Ar, que ao deter-se na revelação da fotografia seguida da passagem para uma pintura ele mais interroga o seu próprio meio, a sua própria arte: o cinema. E aqui ouvem-se várias vozes a cantar. Mas talvez que o segmento 4, dedicado a Francisco Tropa, escultor, em que o elemento central é o Fogo e na música surgem sonoridades diversificadas, da percussão a sons mais estridentes, seja o mais difícil. Com a passagem por Veneza e a composição da escultura de ossos no final, é toda a memória do cinema neo-realista italiano que é convocada, de Roberto Rossellini a Luchino Visconti.
"Quatro" de João Botelho é, assim, um filme conseguido e muito bom sobre algo muito importante e mal conhecido na arte: a criação. Muito bem o cineasta não se põe a dissertar sobre a arte e a criação artística, antes mostra o acto de criação a acontecer, comentado por textos e música, e no final de cada segmento algumas das obras de cada um dos quatro artistas, com o que presta uma excelente homenagem aos artistas mostrados e à arte em si mesma, incluindo a arte do cinema (sobre João Botelho ver também "Grande fôlego", de 19 de Setembro de 2014).
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