Depois de uma trilogia sob a forma de mini-séries para televisão, aliás muito boas, o alemão Edgar Reitz, um dos nomes mais destacados do cinema novo alemão dos anos 60, regressa ao tema e ao título num filme de longa-metragem muito longo, dividido em duas partes na sua exibição comercial, que como filme autónomo coroa o projecto de forma superior: "Heimat - Crónica de Uma Nostalgia"/"Die andere Heimat - Chronik einer Sehnsucht" (2013).
Situado no século XIX, entre 1842 e 1844, numa aldeia da Renânia Palatinato, Schabbach de seu nome imaginário, o filme constrói-se a partir do diário escrito por Jakob Simon/Jan Dieter Schneider sobre os seus sonhos de um novo mundo nas Américas, proveniente das suas leituras, em contraste com a realidade em que vive: vida difícil, privações, fome, morte. Com dois irmãos, Gustav Simon/Maximilian Scheidt e Lena Zeitz/Mélanie Fouché, casada e com uma filha, o nosso sonhador vê-se apanhado na trama da realidade, que o faz trabalhar como ferreiro com o pai.
Para fazer frente aos dois irmãos, o mais velho, Gustav, muito desembaraçado, o mais novo, Jakob, pouco habilidoso mas capaz de corrigir as invenções do outro, surgem duas amigas: Jettchen Niem/Antonia Bill e Florinchen/Philine Lembeck. Com grande atenção aos detalhes sociológicos e antropológicos de época, o cineasta estabelece todas as diferenças e proximidades sociais, sexuais e etárias, com plena individualização de cada personagem, de forma que este novo "Heimat", cronologicamente o primeiro, surge com grande vivacidade e pleno de contrastes no seu preto e branco que poucas imagens a cores, a maior parte delas localizadas, vêm pontuar.
A intensidade dramática cresce na segunda parte, com o encontro de Simon com Franz Olm/Christoph Luser, que leva o primeiro a abrir-se mais para o mundo exterior. Começam então a desenhar-se planos para emigrarem para o Novo Mundo, simultaneamente com periódicas doenças da mãe dos três irmãos, Margarethe Simon/Marita Breuer, que durante as suas "ausências" tem sonhos de passado (os filhos mortos) e de futuro.
Edgar Reitz recupera aqui o melhor do cinema alemão num filme ambicioso, que demorou vários anos de filmagens e implicou a reconstrução inteira de uma aldeia, sobre uma época crucial da Alemanha do século XIX. Sem assomos de super-produção histórica, sempre rente às personagens e ao meio, com uma mise en scéne de grande precisão e de enorme beleza o cineasta constrói o passado próximo da Alemanha do Século XX, a que dedicara as anteriores mini-séries televisivas.
Quase a finalizar o filme, a assombrosa sequência da partida de Gustav e Jettchen na carroça conduzida por Jakob, que não vai partir com eles, com o travelling para trás tirado da traseira sobre aqueles que ficam. Depois, enquanto esperam notícias dos emigrantes, a visita a Simon do senhor Alexander von Humboldt/Werner Herzog vem ligar tudo, todos os tempos, cada um no seu: o passado e o presente.
É para que se façam também filmes como este que o cinema existe. Entre as histórias individuais dadas a partir do exterior e a saga de uma época, talvez aqui, nos rostos, nas situações, no quotidiano de uma aldeia imaginária, elucidativos também sobre a interioridade de cada uma das personagens, Edgar Reitz tenha ido mais longe do que alguma vez antes fora na tentativa de compreender e explicar a história do seu pais.
Sem comentários:
Enviar um comentário